Projeto publica série de fanzines sobre a história de clubes pequenos do Rio de Janeiro
O Deriva dos Livros Errantes, do Rio de Janeiro, faz sucesso com resgate dos clubes do subúrbio carioca
Fanzines são uma tradição futebolística na Inglaterra, berço do jogo. No Brasil, nem perto disso. Lamentavelmente, já que esse modelo de publicação, financeiramente mais acessível, permitiria que a cultura e o futebol brasileiro batessem uma tabelinha. Um projeto surgido no Rio de Janeiro, porém, vem pedindo a bola.
Lançado em 2018, o Deriva dos Livros Errantes mantém viva a memória do subúrbio carioca explorando futebol e samba como elementos importantes da formação cultural da população local. Sempre por meio de fanzines – uma publicação com produção mais simples e ágil, realizada por entusiastas de um tema particular.
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A iniciativa é do professor de geografia Pedro Henrique Oliveira Gomes, de 37 anos. Nascido no subúrbio carioca e morador do bairro de Todos os Santos, ele virou um admirador dos clubes de bairro. Tanto que passou a dividir o coração entre o Flamengo, a força da zona nobre, e o Bangu, tradição da periferia.
O Bangu, por sinal, abriu uma coletânea de fanzines sobre histórias de clubes pequenos do Rio. Desde então, já foram sete publicações, também sobre o Campo Grande e alguns times extintos, como Manufatura Nacional, Méier FC e Andarahy (sim, o “dos tempos de Dondon”, do sucesso na voz de Zeca Pagodinho).
“As zines chegaram às mãos dos torcedores dos clubes destacados, mas também em torcedores e torcedoras de outros clubes. Chegaram a quatro regiões brasileiras, nas capitais, nos interiores, em Portugal e nos EUA. Isso, realmente, não estava dentro das minhas expectativas”, comemora Pedro Henrique.
Numa entrevista ao Verminosos por Futebol, o responsável pelo Deriva faz um retrato do projeto. Confira abaixo.
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“Defino o Deriva como uma ação direta de educação e cultura no subúrbio carioca”Verminosos por Futebol – Quando surgiu o projeto do Deriva dos Livros Errantes? Como pode defini-lo?
Pedro Henrique Oliveira Gomes – Desde 2009, realizo ações de cultura e educação nas ruas, tendo como eixo principal o incentivo à prática da leitura. De 2009 até 2018, eu distribuía livros em rodas culturais, batalhas de rap, cineclubes, saraus realizados em praças e outros espaços públicos pelo subúrbio do Rio de Janeiro. Até aí, não tinha um nome, nem um plano. Eram iniciativas bem orgânicas. Em 2018, decidi criar uma marca, um nome. Surgiu assim o Deriva dos Livros Errantes. Além de distribuir livros, comecei a atuar no apoio de eventos culturais maiores em parceria com outros grupos, como a Livraria Belle Époque Discos e Livros, o Leão Etíope do Méier e o Círculo Laranja.Tive como inspiração os escritos dos situacionistas, como Guy Debord, Raoul Vaneigem, Henri Lefebvre; as iniciativas culturais e políticas promovidas pelo movimento Occupy, o Cooperifa do Sérgio Vaz, o Mate com Angu Cineclube; os escritos da coleção de livros Tramas Urbanas, da editora Aeroplano, organizado pela Heloisa Buarque de Hollanda. Além disso, tinha como objetivo criar uma ação com território definido – o meu espaço vivido, o meu bairro, o subúrbio carioca. Assim, defino o Deriva dos Livros Errantes como uma ação direta de educação e cultura no subúrbio carioca.
Verminosos – Desde o início a ideia era produzir fanzines sobre a história de clubes do subúrbio carioca, ou esse caminho você acabou tomando com o tempo?
Pedro Henrique – As zines foram uma das estratégias adotadas para comunicar o pensamento que movia o Deriva. Começamos com zines sobre temas sociais. Escrevemos uma zine sobre o perigo da história única, outra sobre o território de brincar das crianças. Vários assuntos foram abordados. Depois, em fins de 2019, com o intuito de manter viva a memória do subúrbio carioca, decidiu-se explorar o futebol e o samba como elementos importantes na formação cultural do suburbano.Verminosos – Nesse período, você já produziu fanzines sobre quantos clubes do Rio de Janeiro?
Pedro Henrique – Já foram produzidas sete zines sobre os clubes de futebol da cidade do Rio de Janeiro. Duas em formato A5 com uma pegada de crônica e de maior volume de informações sobre o Bangu e o Campo Grande. Cinco em formato A6 com uma pegada informativa sobre clubes extintos. No entanto, todas possuem algo em comum: a escrita eufórica sobre capítulos da história desses clubes. Todas elas fazem parte da coleção intitulada Subúrbio Futeboleiro.- Leia também:
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Série Subúrbio e Samba
Verminosos – Houve outros trabalhos que focaram aspectos do Rio de Janeiro não relacionados a futebol?
Pedro Henrique – Sim, além da coleção sobre futebol, existe também a coleção Subúrbio e Samba. O objetivo é escrever zines biográficas sobre iniciativas culturais de samba que ocorreram no subúrbio carioca. Iniciamos com a escrita de uma zine sobre o Clube do Samba criado pelo sambista João Nogueira. É uma zine biográfica tanto sobre o clube quanto sobre o sambista. Outras ações e sambistas serão homenageados como o Granes Quilombo e o Candeia, o Guimbaustrilho de Nei Lopes, o Bloco das Piranhas de Madureira, entre outros que estão em processo de pesquisa e/ou escrita.Verminosos – O que diferencia uma fanzine, ou as tuas fanzines, de um livro convencional?
Pedro Henrique – A fanzine é um artefato de informação e comunicação pautada no pensamento: FAÇA VOCÊ MESMO! Ela pode ser digital ou impressa. Pode ser em diferentes formatos e volumes. Pode ser uma composição equilibrada entre textos e imagens, pode ser apenas de imagens, pode ser apenas de textos. O importante é: comunique-se, conte sua história. Um livro convencional possui esse papel também. Eles se diferenciam no custo, na produção. Um livro convencional possui uma série de normas e procedimentos para a publicação. Enquanto a zine é uma publicação independente, de baixo custo e formatada de acordo com o olhar do seu criador.“A fanzine é um artefato de informação e comunicação pautada no pensamento: FAÇA VOCÊ MESMO!”
Verminosos – Como funciona a produção das fanzines? Leva quanto tempo? Você acompanha todo o processo?
Pedro Henrique – A produção de uma zine envolve diferentes etapas. Começa pela escolha e pesquisa sobre o tema a ser abordado. Fichamentos e banco de informações são criados para organizar as ideias, as imagens, os recursos. O segundo passo é pensar no tamanho desejado da fanzine. O número de páginas e a composição da zine definem o valor de custo do produto final. Zines com apenas textos possuem uma impressão e produção mais barata. Com imagens, é preciso avaliar o custo de uma impressão colorida ou monocromática para não onerar o custo final. Com a pesquisa e a organização das informações, o terceiro passo é a escrita da zine. Particularmente, faço a escrita e a revisão do texto a cada capítulo, a cada seção produzida.Conforme dito em outra pergunta, busco uma escrita eufórica sobre a trajetória dos clubes ou sobre os fatos narrados. Busco encarnar a alma do torcedor do time. Com o texto organizado, é feita a diagramação e a composição das imagens e textos. O quinto passo é reler todo o material com olhar cuidadoso, revisando conteúdo, texto e diagramação. Com o material escrito pronto em meio digital, a estrutura de impressão da fanzine é organizada para a gráfica. Com o material impresso, é feita a encadernação com o uso de régua, estilete e grampeador. As zines são encadernadas uma por uma.
Com as zines encadernadas, penso, planejo e produzo algum item de acompanhamento. Pode ser um imã em formato de jogo de botão, um poster em tamanho A4, um adesivo, uma placa em madeira. O passo final é colocar as zines e seus acompanhamentos num saco plástico com adesivo para protegê-la no manuseio e dos efeitos do ambiente. Todo o processo é duradouro que vale com terapia ocupacional, como combustível para conceber novas zines.
A questão financeira é bastante marginal. O custo final é para bancar o custo de produção, o custo de envio e a criação de uma reserva financeira para a elaboração de outras fanzines. Na cadeia produtiva da zine, a única etapa realizada por terceiros é a impressão e reprodução na gráfica do bairro. Eu participo do início, meio e fim com duração média de três meses para a produção de uma zine.
“O custo final é para bancar o custo de produção, o custo de envio e a criação de uma reserva financeira para a elaboração de outras fanzines”.
Produção independente
Verminosos – O fato de trabalhar com fanzines facilita a viabilização da realização dos trabalho, é uma percepção correta? Se algum deles precisasse virar livro, encareceria mais e dificultaria também, né?
Pedro Henrique – Para publicar um livro, a quantidade do pedido determina o valor da publicação. Quanto menor o pedido mínimo, maior será o valor da unidade. Nas pesquisas realizadas, dei-me conta de um valor bem acima das minhas possibilidades. Sendo assim, aproveitei a experiência com as zines para ser independente, para reproduzir com maior liberdade e para distribuir com menor custo final. Transformar as zines em livro encareceria o processo e seria menos ágil e mais dependente das editoras e gráficas. A sua percepção está corretíssima.Verminosos – O que trazem as fanzines de clubes do Rio de Janeiro?
Pedro Henrique – As primeiras zines possuem um texto mais narrativo, descritivo com alguns toques lúdicos. Queria tornar mais conhecida a campanha do Bangu no Torneio Mundial de Clubes em Nova York em 1960 e a campanha do Campo Grande na Taça de Prata de 1982. Aproximar o torcedor mais velho das lembranças e o torcedor mais jovem dos fatos do passado. Buscamos criar uma escrita com ênfase nos grandes feitos durante o campeonato, nos jogadores de destaque, na paixão das torcidas do clube. Colocamos uma ludicidade na narrativa para aproximar o leitor em alguns momentos.Nas zines sobre os clubes extintos, buscamos contar um pouco da história e dos grandes feitos de cada time. A narrativa tem uma sequência padrão com particularidades de cada clube: origens, bairro, praça de esportes, títulos, grandes jogos, rivalidades e a extinção do time ou situação atual do clube. Buscou-se investir mais numa ficha técnica mais detalhada dos jogos citados. Como disse anteriormente, encarnar a alma do torcedor e a escrita eufórica são as marcas das zines.
Ver essa foto no InstagramVerminosos – Como tem sido a recepção aos trabalhos? Que tipo de feedback recebeu de torcedores e dirigentes de clubes que, hoje em dia, praticamente já não têm espaço na mídia tradicional ou mesmo da produção literária?
Pedro Henrique – A recepção foi além das minhas expectativas. A primeira tiragem da zine do Bangu foi de 20 exemplares em março de 2020. Na época, apostava que demoraria a vender. Porém, estudei um pouco sobre como promover o trabalho, quais canais de divulgação seriam utilizados e como faria a publicidade. O trabalho rendeu frutos. Em dezembro, alcancei 100 exemplares vendidos. Não esperava mesmo por isso. A zine do Campo Grande teve uma história parecida. Em janeiro de 2021, alcançamos os 100 exemplares vendidos também. Porém, o mais saboroso deste processo foram as amizades criadas. Foram muitas amizades que renderam trabalho em dupla, ação coletiva e colaboração.Agradeço ao Wesley Machado, do blog Viva La Resenha; ao Claudio Tadashi e ao Felipe Corvino pela primeira entrevista no Podcast Camisa Oito; ao Paulo Andel pela Live no canal Entorno da Bola; ao Leo Lyra pela live no instagram Literatura e Futebol; ao Ivan Errante pela live e parceria da Belle Époque Discos e Livros; ao Vlad da Loja Quintino FC como ponto de venda e pela troca de ideias; entre outras pessoas que sempre trouxeram um elogio, uma crítica e compraram a ideia das zines.
As zines chegaram às mãos dos torcedores dos clubes destacados, mas também em torcedores e torcedoras de outros clubes. Foi um máximo ter a noção disso, da abrangência do trabalho. As zines chegaram a quatro regiões brasileiras, nas capitais, nos interiores, em Portugal e nos EUA. Isso, realmente, não estava dentro das minhas expectativas. O que imaginava mesmo era: levar para os estádios e vender na porta. A pandemia não permitiu e o comércio eletrônico facilitou. Por fim, foi muito bom ver as zines serem apresentadas no programa Redação Sportv e serem tão valorizadas pelo jornalista Marcelo Barreto. Foi uma grande felicidade para finalizar o ano tão problemático de 2020.
“Foi muito bom ver as zines serem apresentadas no programa Redação Sportv e serem tão valorizadas pelo jornalista Marcelo Barreto”.
Verminosos – Como você avalia hoje em dia a cena das fanzines no Brasil e no futebol? E fanzines de futebol, que são muito populares e tradicionais por exemplo na Inglaterra, como está o estágio no Brasil?
Pedro Henrique – A minha principal inspiração na produção das zines sobre futebol foi a leitura do artigo do Futebol Café, do Bruno Rodrigues, sobre a tradição das fanzines no futebol inglês. Aquilo mobilizou meus pensamentos por algumas semanas e comecei a procurar por experiências similares no Brasil e no mundo. Infelizmente, aqui no Brasil encontrei pouquíssima coisa. Vi um movimento dos torcedores do Santo André e nada mais. As zines têm grande tradição no movimento punk e na cena rock n’roll em todo o mundo, inclusive no Brasil. Na educação, existem vários grupos que produzem e estudam as zines como ferramenta pedagógica. Mas, como meio de comunicação e informação no futebol brasileiro, é algo de pouca abrangência.Na Alemanha, as torcidas do St Pauli foram pioneiras na elaboração de zines sobre o clube. Tive acesso a alguns materiais digitais e dentro das minhas possibilidades com a língua alemã, achei um máximo a pegada. Por sinal, a experiência me levou para a pesquisa e produção de uma zine sobre o St Pauli a ser lançada em breve. Em outubro de 2020, conheci o trabalho do Davi sobre o Sergipe chamado Almanaque do Gipão. Na época, após adquirir o material e apreciar, não tive dúvidas. O Almanaque do Gipão tem um formato e uma pegada bem fanzineira dentro das tradições inglesas e alemãs. De lá pra cá, ele começou a assumir a identidade de zine. Foi mais um parceiro para diálogo e atuação conjunta na publicidade das publicações independentes.
Na minha avaliação, devem existir muitas zines entre as torcidas brasileiras que não tive a habilidade de encontrar. A proposta de zine casa muito bem com o futebol, com quem é apaixonado por futebol e pelo seu clube. Vejo um enorme potencial. Porém, reconheço também que muitas torcidas adotam o formato blog, canal de vídeo ou página em redes sociais para divulgar sua paixão e o cotidiano do clube do coração. Por outros meios, a atitude fanzineira está presente. Particularmente, gosto do formato impresso e pretendo continuar investindo nisso.
“Muitas torcidas adotam o formato blog, canal de vídeo ou página em redes sociais para divulgar sua paixão e o cotidiano do clube do coração. Por outros meios, a atitude fanzineira está presente”.
Verminosos – Qual tua formação? Essa formação de alguma forma te levou a fazer esse projeto?
Pedro Henrique – O Deriva é uma iniciativa de um bloco do eu sozinho, alimentado pela parceria de diferentes pessoas. Toda e qualquer ajuda na divulgação do projeto, na contribuição financeira, na elaboração coletiva de uma zine tornam o Deriva uma iniciativa coletiva gerida por mim – Pedro Henrique. Eu sou morador do bairro de Todos os Santos, na zona norte, sou educador numa escola privada da zona sul da cidade do Rio de Janeiro e agitador cultural na região do Grande Méier. Sou formado em Geografia, em Tecnologias de Aprendizagem e em Práticas de Educação Básica. Em sala de aula, inspirado em diferentes experiências pedagógicas, como, por exemplo, no trabalho do cartunista Tavarez, promovia atividades de elaboração de zines com meus estudantes. Isso me levou a investir nas zines do Deriva dos Livros Errantes.Verminosos – Tem alguma história curiosa, alguma coisa relevante que tenha acontecido em meio ao projeto, que acha interessante de contar também?
Pedro Henrique – Ao longo dessa história, como disse, fizemos muitas amizades, fomos procurados por ex-jogadores dos clubes destacados, tivemos leitores famosos e fizemos parcerias com outros grupos e pessoas. Em dezembro de 2020, criamos uma parceria com a marca Otaner na fabricação das camisas dos times extintos do subúrbio. Eles vendem camisas acompanhadas das zines produzidas pelo Deriva. Em janeiro de 2021, ao lançar a zine sobre o Manufatura Nacional de Porcelanas Futebol Clube, fui procurado pelo ex-jogador Daniel Rosas e que rendeu uma bela conversa. Aos setenta e poucos anos de idade, ele ficou bastante emocionado com a publicação.> Pedro Henrique Oliveira Gomes, de 37 anos, é professor de geografia, nascido no subúrbio carioca, morador do bairro de Todos os Santos, no Rio de Janeiro, e torcedor de Flamengo e Bangu.
Serviço:
Deriva dos Livros Errantes
Instagram | Facebook | derivaerrante@gmail.comAdquira as fanzines sobre clubes do subúrbio carioca: linklist.bio/derivaerrante.
As zines custam geralmente entre R$ 7 e R$ 15, dependendo do tamanho de cada edição. O frete fixo é de R$ 10.
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