Atleta cearense é mirrado, mas pai d’égua!
A sua estrutura física e o seu estilo de lidar com a bola revelam muitos dos traços regionais
Texto de Guilherme Custódio.
Quando um jogador de futebol entra em campo, ele não representa apenas o seu time, mas também as suas origens. A sua estrutura física e o seu estilo de lidar com a bola revelam muitos dos traços que permitem diferenciar jogadores europeus, asiáticos ou latino-americanos. Da mesma forma, o jogador cearense também tem suas próprias características físicas e seu estilo, se comparado aos paulistas, mineiros ou gaúchos, por exemplo.
Jardel, o jogador que se considera melhor que Ronaldo Fenômeno, e Babá, um campeão que honrou o nome do futebol cearense, ilustram a matéria. Juntamente com Alan Neto, jornalista esportivo com quase meio século dedicado ao futebol cearense.
Estilos e características físicas particulares dos jogadores de diferentes origens podem trazer vantagens ou desvantagens na hora de disputar a bola no gramado. Mas isso não quer dizer que, por si só, sejam suficientes para decidir os resultados de uma partida.
Para o antropólogo Roberto da Matta, “a construção do estilo de jogo e mesmo sua reprodução foram um meio de consolidar nossa identidade, que simbolicamente convencionou-se chamar de futebol-arte”. Já o “futebol-força” é identificado mais com o futebol europeu. Porém, não se pode encarar os estilos “futebol-arte” e “futebol-força” como uma oposição, pois o futebol brasileiro apresenta os dois tipos, e o europeu também. E qual seria o estilo do jogador cearense?
Nascido em Fortaleza, no dia 18 de setembro de 1973, Mário Jardel Almeida Ribeiro, mais conhecido como Jardel, foi um dos jogadores cearenses de maior destaque do futebol mundial dos últimos tempos. Ele jogou 10 partidas oficiais pela seleção brasileira, tendo marcado um gol.
Revelado nas escolinhas do Ferroviário Atlético Clube, ele teve passagens por grandes clubes nacionais, como Vasco da Gama e Grêmio. Na Europa, atuou com destaque no Porto e no Sporting, ambos de Portugal, e no Galatasaray, da Turquia. O “Super Mario”, como é conhecido no futebol português, chegou a jogar em países com pouca tradição no futebol, como Chipre (Anorthosis) e Arábia Saudita (Al-Taawon).
No velho continente, ganhou cinco troféus Bola de Prata de maior artilheiro do Campeonato Português e duas Chuteiras de Ouro (maior artilheiro da Europa).
Do alto dos seus 1,88 m de altura, o jogador ficou famoso pela boa impulsão e por ser um grande marcador de gols de cabeça, fugindo ao padrão físico e técnico do jogador de futebol nascido no Ceará.
Ele reconhece que não foi um jogador habilidoso, pois afirma que “não jogava porra nenhuma, mas sabia fazer gols”. Por problemas de saúde, o jogador foi preterido pelo treinador Felipão, em um bom momento de sua carreira, e não foi convocado para a Copa do Mundo de 2002, onde o país se sagraria campeão pela quinta vez.
O polêmico jogador se define como um atacante do “tipo bananeira”, paradinho dentro da área. “Dentro dela eu fui melhor que o Ronaldo (Fenômeno). Não tenho dúvida nenhuma não, não”.
Jardel é dono de frases folclóricas do futebol brasileiro, como: “Quando o jogo está a mil, minha naftalina sobe”, “Clássico é clássico e vice-versa” e “Eu, Paulo Nunes e o Dinho vamos fazer uma dupla sertaneja”. Sobre as críticas que recebia em relação a sua lentidão em campo, ele afirma que “precisava correr não, cara. Resolvia dentro da área! Dentro dela, fui um matador, um leão. Fora da área, sou um gatinho”.
Um craque fora dos padrões
“Forte e vigoroso, jogou com destaque no Fortaleza, Ferroviário e Ceará. Integrou o selecionado cearense sete vezes”. É assim que o saudoso historiador do futebol cearense Alfredo Sampaio (1926-2005) definia Sebastião Medeiros de Brito, ou simplesmente Babá.
Nascido na capital cearense, no dia 5 de novembro de 1916, ele faleceu aos 82 anos, na mesma cidade. Babá era lateral e encerrou a carreira após problemas no menisco do joelho esquerdo. Como treinador, foi campeão cearense pelo Ferroviário Atlético Clube, em 1950.
Na época, alguns anos após a profissionalização do esporte no Ceará, fato ocorrido em 1939, era comum os jogadores de futebol exercerem também outra profissão. No Ferrão, grande parte dos jogadores eram funcionários da antiga Rede de Viação Cearense (RVC), onde Babá trabalhava na marcenaria.
Sobre a sua troca de clube, entre os rivais Fortaleza e Ceará, jornais do período relatam que “do Fortaleza, Babá se transferiu para o Ceará e não foi menor, talvez até maior a sua projeção vestindo a camiseta alvinegra, formando com outros talentosos jogadores uma intermediária célebre dos nossos gramados”.
Por jornais que falam sobre o jogador, era descrito como “Babá era duro, sem ser desleal. Dono de um físico avantajado tinha, porém, muita velocidade, a que aliava um senso perfeito de colocação em campo”.
Para o escritor e pesquisador Airton Fontenele, “no seu tempo, meia-cancha de respeito tinha de ter Babá”. Para o jornalista Tom Barros, Babá “deixou o seu nome no futebol cearense”. Enfim, como diria o trecho do recorte de um jornal, guardado em uma velha caixa por sua filha caçula, Maria Júlia, ele foi “um craque do passado, que soube honrar o nome do futebol cearense”.
> LEIA TAMBÉM
Alan Neto: “O jogador cearense é mais mirrado”
Um dos mais conhecidos comentaristas de futebol do Ceará, Manoel Simplício de Barros Neto, conhecido por Alan Neto, nasceu em Senador Pompeu, a 275 quilômetros de Fortaleza, no Ceará. Torcedor do Ferroviário, com mais de seis décadas de vida e quase 50 anos no jornalismo cearense, fala, na entrevista a seguir, um pouco sobre o perfil do jogador cearense.
Guilherme Custódio – Como é o jogador de futebol nascido no Ceará?
Alan Neto – Nós temos um nicho de boas revelações, mas, pela nossa formação cearense, você dificilmente pega um jogador com as características do jogador do sul do país. O jogador cearense é mais mirrado e subdesenvolvido, o que não anula a qualidade técnica. Isso influencia preponderantemente quando você vai negociar um jogador com esse perfil. Essa aí é a nossa maior dificuldade.
Guilherme – Então, pode-se dizer que o “futebol-força se opõe ao futebol cearense?
Alan – O “futebol-força” foi rebocado da Europa, onde os jogadores são altos e fortes. O jogador europeu tem o porte físico avantajado, é muito bem tratado. Foi isso que acabou com a beleza do futebol. É o chamado “futebol de brucutu”. Aquele onde se procura primeiro o jogador, para depois procurar a bola.
Guilherme – Quais as características emocionais que você enxerga no jogador cearense?
Alan – O jogador cearense é emotivo, o que é uma característica nossa. O cearense é aquele que você pede a rua onde mora “fulano de tal” e ele vai deixar você lá. O cearense é muito emotivo.
Guilherme – Existem diferenças entre o jogador cearense de uma região do Estado para o de outra?
Alan – Não tem um jogador que vem de fora, que venha do Cariri, que vem de outro interior e que seja diferente. São todos eles mirrados.. São jogadores com o mesmo perfil, com a mesma estatura.
Guilherme – O jogador cearense é comunicativo?
Alan – Eu tenho uma dificuldade muito grande de encontrar um jogador para uma entrevista porque ele fala muito pouco, ele é muito contido. Eles adoram clichês. O grau de escolaridade deles é bem limitado.
Guilherme – Quem são os maiores representantes do futebol cearense que você acompanhou?
Alan – Nós temos um jogador aqui extraordinário que é o Clodoaldo, mas ele perdeu o trem da história. Na minha função, há mais de 40 anos, eu só vi três jogadores que realmente eram grandes jogadores, grandes craques: o Amilton Melo, o Mozarzinho e o Clodoaldo. Então, para o Clodoaldo (1,61m) não importava a estatura dele e a de quem ia marcar. Ele tinha uma habilidade incrível. Ele estaria hoje milionário se tivesse regrado mais a sua vida extra-campo.
> Guilherme Custódio é jornalista de Fortaleza.
Clique no link e leia também:
Uma resposta para “Atleta cearense é mirrado, mas pai d’égua!”
Deixe um comentário
// Categorias
// Histórico de Publicações
// As mais lidas
-
1
Caçadora de estádios antigos de Portugal indica 10 “tesouros” para conhecer
-
2
Torcedor do Resende foi a todos os jogos do time desde 2020
-
3
Artista plástico gaúcho comercializa maquetes de estádios de futebol
-
4
Projeto Mantos Alencarinos lança 3º lote de camisas retrô de times cearenses
-
5
O ranking de público de times do Nordeste na Libertadores e na Sul-Americana (1960-2024)
-
6
Top 5: Camisas clássicas do futebol do Rio de Janeiro | Por Jorginho O Lendário
-
7
Top 5: Camisas clássicas do futebol sergipano | Por Jonathas Sandes
-
8
Quem é o artista que faz pinturas de ídolos em muro do Botafogo
Meu Deus, quanta besteira o Alan Neto falou. haha