O que disse Alcides Santos em entrevista a Alan Neto nos 50 anos do Fortaleza
Em 18 de outubro de 1968, o jornal O Povo publicou entrevista com Alcides Santos, fundador do Fortaleza
Em 1968, o Fortaleza completava meio século. O fundador, homem que escolheu o nome do clube e sugeriu suas cores, ainda estava vivo. Alcides Santos, nascido em 1889, tinha 79 anos. Em entrevista ao jornal O Povo, ao então repórter Alan Neto, na época um jovem de 27 anos, o ex-dirigente relembrou as origens do time 50 anos antes. Um registro histórico.
Natural de Maranguape, Alcides Santos era filho do professor e deputado Agapito dos Santos. Foi um empresário bem-sucedido, primeiro representante da norte-americana Ford no Brasil. Estudou na França e foi atleta de remo e natação do Flamengo, quando morou no Rio de Janeiro.
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De volta a Fortaleza, Alcides Santos fundou em 1915 o Stella Foot-Ball Club, nome inspirado no colégio Stella, da Suíça, onde estudaram alguns de seus colegas da alta sociedade alencarina. E depois os convenceu a refundá-lo, em 1918, como Fortaleza Sporting Club (como ficou denominado até o Estado Novo, antes de adotar o Esporte Clube).
Presidente do clube em seus três primeiros anos, Alcides Santos era só orgulho na entrevista. “Que maior presente eu poderia ganhar se não esse de ver o meu Fortaleza comemorar 50 anos de vida? Sempre torci para estar vivo quando o Fortaleza comemorasse seu jubileu de ouro”, celebrou. Três anos depois, ele partia, aos 82 anos. Não imaginava o quão grande o time se tornaria.
Alcides Santos viu o Fortaleza surgir e completar meio século
(18/10/1968, Jornal O Povo, Pag. 1)
Por Alan Neto
O velho coração do venerando Alcides Santos, com 79 anos de idade bem vividos e aproveitados, por certo sentirá uma rajada de alegria maior do que a de todos os tricolores vivos, só a face do Ceará, quando os fogos espocaram no ar hoje pela manhã, anunciando o jubileu de ouro do Fortaleza Esporte Clube. Com razão de ser diga-se de passagem. Foi ele quem viu o Fortaleza nascer, engatinhar, dar os primeiros passos e crescer. Antes de se rotular oficialmente com o nome de “Fortaleza” chamou-se “Stella”, três anos antes do dia 18 de outubro de 1918.
Alcides Santos, apesar de beirar os 80 anos de idade, trabalha intensamente – em dois expedientes na Ford – enquanto à noite gasta horas e horas dedicando o tempo a sua coleção de selos e moedas, seu passatempo predileto. Ele é um dos maiores colecionadores do Brasil e foi, igualmente, fundador da Sociedade Cearense de Filatelia e Numismática. Levanta-se geralmente às 5 horas da manhã para fazer a barba e “rever a minha coleção”. Já foi aconselhado pelo seu médico particular a parar um pouco as atividades, discordando de pronto. “Levo essa vida há muito tempo. Estancá-la de repente, isso eu não farei. Vou parando-a gradativamente. Não sei ficar na ociosidade”.
HOMENAGEM À CAPITAL
Em linhas gerais essa é a atividade diária do fundador do Fortaleza. Foi dele que partiu a ideia de transformar o “Stella” em “Fortaleza” para homenagear a capital cearense. E justifica: “Já havia àquela época Ceará e Bangu em plena atividade. Eram os mais poderosos times do futebol cearense. Resolvi em combinação com o Humberto Ribeiro (já falecido), Walter Olsen, João Gentil, Bruno Menescal, Oscar Loureiro, Mario Petter, transformar o ‘Stella’ em Fortaleza, naturalmente com o concorde dos demais pares. O nome ‘Stella’, é bom que se frise, surgiu em face de um grupo de estudantes cearenses, que havia se radicado por muito tempo na Europa e eram chamados de o grupo ‘Stella’. O Fortaleza desde aquela época sempre foi um clube de elite, razão por que era antipatizado. Mas o ‘Stella’ ficou nas estrelas de sua bandeira”.
ONDE NASCEU & EXTRAORDINÁRIO GOLEADOR
Alcides Santos volta ao passado, 50 anos atrás, com uma rapidez meteórica. Sua memória é clara. Não tropeça em nada, até mesmo nos detalhes mais minuciosos e importantes. É simplesmente impressionante para um homem aos 79 anos de idade recordar com tanta facilidade coisas que a voragem do tempo se encarregou de tanger para longe. “Para mim foi como se fosse ontem. Trago na lembrança fincadas as melhores recordações do meu querido Fortaleza”.
FRANÇA ETERNA
As cores da camisa do Fortaleza (vermelho, branco e azul) foram também sugeridas por Alcides Santos, “em homenagem à bandeira da França, para mim a mais bonita de todas. Para mandar confeccioná-las, tive que ir a São Paulo especialmente com essa finalidade. Não estou exagerando ao dizer que ela fez autêntico furor, principalmente para a torcida feminina do Fortaleza, composta de moças da nossa melhor sociedade e que, àquela época, frequentavam o Estádio, dando um colorido todo especial aos espetáculos futebolísticos. Havia muito respeito à presença feminina”.
O Fortaleza nasceu no dia 18 de outubro de 1918, há 50 anos, onde hoje funciona a Faculdade de Jornalismo e onde até bem pouco tempo funcionou a Faculdade de Farmácia e Odontologia, rua Barão do Rio Branco entre Pedro Pereira e Pedro I. “Foi lá que demos o primeiro passo. Uma plêiade de jovens vontadosos. Hoje o meu Fortaleza é uma potência, graças a Deus”.
O maior jogador que o fundador do Fortaleza viu em ação foi Humberto Oliveira, centroavante do time tricolor no primeiro campeonato oficial levado a efeito em 1920, cujo título ficou em nosso poder. “Foi uma estreia auspiciosa. Depois de levantarmos o campeonato de 1920, fomos bicampeões em 1921 e só não fomos tri em 22 porque o juiz resolveu nos garfar, dando o título ao Ceará. Em 23 e 24 fomos novamente bicampeões e daí para a frente o Fortaleza conseguiu amealhar títulos, uns atrás dos outros”.
Sobre Humberto Oliveira eis a opinião do Sr. Alcides Santos: “Nunca vi em toda a minha vida um jogador tão perfeito, um goleador tão emérito, um atacante tão insinuante e irresistível quanto o Humberto. E vou um pouco adiante, sem medo de errar: no futebol cearense, até hoje, nunca apareceu um jogador tão perfeito quanto ele. Os hoje famosos Croinha, Gildo, Marcos e Mozart não chegaram aos seus pés. Para mim ele foi primeiro, sem segundo e sem terceiro. Com uma particularidade: ele só jogava de sapatos, além de conduzir preso nos cabelos uma touca tricolor”.
“No futebol cearense, até hoje, nunca apareceu um jogador tão perfeito quanto ele (Humberto Oliveira). Os hoje famosos Croinha, Gildo, Marcos e Mozart não chegaram aos seus pés”. (Alcides Santos)
O PRIMEIRO CAMPEÃO
A memória de Alcides Santos vai muito além da expectativa, deixando o redator dessas notas estupefato. Numa folha de papel almaço ele começou a escrever rapidamente o primeiro time campeão do Fortaleza, no 1º campeonato oficial realizado no Ceará em 1920. Ei-lo: Quinderé; Meton e Riquet, João Gentil, Lúcio e Petter; Clóvis Moura, Arthur, Humberto Oliveira, Juracy e Pontes.
Em 1921 com pequenas modificações, o Fortaleza foi bicampeão. A formação era a seguinte: Petter, Moacir e Riquet; Djalma, Lúcio e Osvaldo; Clóvis Moura, Artur, Humberto Oliveira, Juracy e Clodomir Gaspar.
No bicampeonato de 23 e 24 o Tricolor de Aço tinha a seguinte formação: Petter; Moacir e Caranã; Turíbio, Nonato e Osvaldo; Pirão, Roque, Humberto Oliveira, Juracy e Clodomir Gaspar.
O Ceará sempre foi o mais sério e ferrenho rival do Fortaleza. “Não compreendo por que essa rivalidade deixou de existir nos dias de hoje com a implantação de uma tal de Aliança Tríplice. Se a grande motivação dos espetáculos sempre foi a rivalidade existente entre os clubes, essa motivação desaparece a partir do instante em que deixa de existir motivação. [Nota: Aqui, parece que Alcides teria dito ou queria dizer “rivalidade”, ao invés de “motivação”, no fim da frase.] Ceará comigo nunca teve vez”.
E recorda um fato: “Morando no Rio fui ver um jogo entre Botafogo e um time inglês. Praticamente eu torci sozinho pelo time inglês por não suportar as cores preta e branca do Botafogo. Uma moçoila que estava ao meu lado, não suportando a minha maneira de torcer, puxou a mãe pelo braço e saiu dizendo: ‘Vamos sair de perto desse inglês besta, mamãe'”.
O CORAÇÃO NÃO DEIXA
Alcides Santos passou apenas três anos na presidência do Fortaleza. Transferiu-se depois para o Rio, voltando tempos depois, mas para ficar apenas como colaborador do clube.
“Morando no Rio fui ver um jogo entre Botafogo e um time inglês. Praticamente eu torci sozinho pelo time inglês por não suportar as cores preta e branca do Botafogo. Uma moçoila que estava ao meu lado, não suportando a minha maneira de torcer, puxou a mãe pelo braço e saiu dizendo: ‘Vamos sair de perto desse inglês besta, mamãe'”. (Alcides Santos)
O CIDADÃO ALCIDES SANTOS
O fundador do Fortaleza mora num apartamento grande no Edifício Fortaleza. Foi casado com dona Elizabeth Petter dos Santos. Do seu matrimônio nasceram seis filhos. Tem 12 netos e três bisnetos. Orgulha-se de possuir uma bisneta que foi sócia do Fortaleza com apenas 2 anos de idade. Hoje ela está com seis e só vive dizendo: “Vovô, eu sou Fortaleza mais do que o senhor”.
Não vai ao Estádio há muito tempo. “O coração não deixa. Em casa, quando o Fortaleza joga eu fico ouvindo de pedaço em pedaço, porque me dá uma vontade louca de ir ver meu querido clube jogar”.
Alcides foi nadador e remador pelo Flamengo (seu clube no Rio) durante muito tempo, mas nunca praticou futebol. Não quis dar opinião sobre a atual diretoria, mas acha que ela briga demais, embora o “atual presidente me trate com muita cortesia e educação”.
É nosso entrevistado sócio da firma Studard & Cia, representante da Ford na qual dá dois expedientes. É considerado a maior autoridade em selos e moedas de todo o Brasil.
Foi ele quem como presidente do Fortaleza trouxe o primeiro jogador profissional para o futebol cearense, de nome Nelzindo, para ele “o maior blefe da minha vida”. A primeira temporada interestadual foi auspiciada por ele. O primeiro clube a visitar o Ceará foi o Santa Cruz, do Recife, que enfrentando o Fortaleza perdeu por 1 a 0. Hoje, 50 anos depois, Alcides Santos é um homem lúcido, admirado por toda a família tricolor. O tributo portanto da nossa melhor homenagem a Alcides Santos.
“Que maior presente eu poderia ganhar se não esse de ver o meu Fortaleza comemorar 50 anos de vida? Quantos não dariam para assistir a passagem de data tão significativa? Sempre torci para estar vivo quando o Fortaleza comemorasse seu jubileu de ouro. E dou graças a Deus estar vivo. Muito vivo por sinal”, encerrou o fundador do Fortaleza, Sr. Alcides Santos.
“Que maior presente eu poderia ganhar se não esse de ver o meu Fortaleza comemorar 50 anos de vida?” (Alcides Santos)
> Alcides Santos dá nome ao estádio do Fortaleza, hoje centro de treinamento na sede do Pici, construída em terreno que foi propriedade do dirigente.
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// TV Verminosos
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Boa matéria, excelente lembrança!
Parabéns ao tricolor de aço!
Obs. Sobre o primeiro centroavante do Fortaleza, do título de 1920, o nome dele era Humberto Ribeiro, dono de uma livraria (chamada Liv. Ribeiro). Existia outro atacante de nome Artur Oliveira.