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Estudo analisa a transformação de campos de terra em Areninhas em Fortaleza

Em seu mestrado, o pesquisador cearense Guilherme Custódio avaliou os impactos sobre jogadores e público com a política das Areninhas

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A Areninha do Campo do América foi a primeira de uma série (Foto: Divulgação)
A Areninha do Campo do América foi a primeira de uma série em Fortaleza (Foto: Divulgação)

Por Guilherme Custódio

A dissertação intitulada “A cidade das Areninhas: transformações urbanas do sensível”, de minha autoria, defendida em agosto de 2021 no mestrado em Sociologia da Universidade Estadual do Ceará (Uece), sob a orientação do professor Wellington Maciel, analisou os impactos do processo de mudança nos espaços para a prática do futebol amador na cidade de Fortaleza, dos tradicionais campos de terra, aqui chamados de campos de subúrbio, para as “modernas” Areninhas, tendo como campo de pesquisa a Areninha do bairro Pirambu, inaugurada em março de 2016.

As transformações do sensível na cidade das Areninhas são representadas pela mudança na maneira e na qualidade de se jogar o futebol de um campo para o outro, além das alterações no ato de torcer e na reconfiguração do público durante os jogos.

De Campo do Parque Oeste para Areninha Pirambu

“A cidade sensível é aquela responsável pela atribuição de sentidos e significados ao espaço e ao tempo que se realizam na e por causa da cidade. É por esse processo mental de abordagem que o espaço se transforma em lugar, portador de um significado e de uma memória; que passamos a considerar uma cidade como metrópole, realidade urbana que, desde o seu surgimento, causou uma revolução na vida, no tempo e no espaço”.

(Sandra Jatahy Pesavento, historiadora gaúcha)

As memórias sobre o antigo Campo do Parque Oeste, atual Areninha Pirambu, também estão na pesquisa. Jogadores, torcedores e árbitros do Campo do Parque Oeste lembram sobre a multidão presente nas arquibancadas de madeira daquele campo de subúrbio de estrutura arquitetônica bastante simples.

“O Campo do Kartódromo ou Campo da Costa Oeste, onde hoje funciona a Areninha do bairro Nossa Senhora das Graças, o querido Pirambu, eu tenho algumas histórias ali. Um dia eu apitei uma rodada, dois jogos pelo ‘Suburbão’. Santa Inês, Santa Luzia, Marcílio Dias, Santo Antônio, o time do Inácio, não lembro bem quais eram os jogos. Sinceramente eu nunca vi tanta gente”.

(Tony Pereira, presidente da Federação Cearense de Futebol Amador, FCFA, e do Sindicato dos Radialistas do Ceará.)

Areninha do Pirambu foi instalada à beira mar, na Av. Leste-Oeste (Foto: Divulgação)
Areninha do Pirambu foi instalada à beira mar, na Av. Leste-Oeste (Foto: Divulgação)

Um outro ponto representado no estudo, sobre o antigo Campo do Parque Oeste, é em relação às características do futebol jogado naquele campo de subúrbio em contraste com o futebol praticado na atual Areninha Pirambu e nas demais Areninhas.

“As diferenças entre o futebol praticado no Campo do Parque Oeste e na Areninha são enormes. Antes no Parque Oeste nós víamos a qualidade em cada atleta, em cada desenvoltura, em cada vontade. Nós víamos aquela classe diferente de hoje. Hoje em dia o futebol é mais corrido, é difícil a gente ver um camisa 10 jogar nas Areninhas, aquele camisa 10 de classe mesmo. O futebol antes era bem melhor, bem melhor praticado”, lembra Markinhos Cearense, ex-jogador de Arrastão, Santa Rosa, Imperial e Santa Inês, times de futebol de subúrbio do bairro Pirambu.

Outra imagem comum sobre o antigo Campo do Parque Oeste, mencionada na pesquisa, é em relação a uma maior presença dos torcedores durante as partidas disputadas no futebol de subúrbio, contrastando com um menor público nos jogos na Areninha Pirambu.

Um dos motivos apontados para a diminuição do público no futebol de subúrbio é a menor qualidade. O futebol amador no bairro pulsava mais no antigo campo de terra batida.

“Antes, quando era Parque Oeste, as pessoas participavam mais, eram bem mais presentes. Os tempos mudam, mas hoje na Areninha infelizmente não é tão frequente a presença do público, infelizmente devido à qualidade do futebol”, destaca Markinhos Cearense.

“Hoje em dia o futebol é mais corrido, é difícil a gente ver um camisa 10 jogar nas Areninhas, aquele camisa 10 de classe mesmo”. (Markinhos Cearense)

Imagens e representações sobre campos de subúrbio X Areninhas

“Quando o campo é a cidade”, como nos fala o antropólogo paulista José Guilherme Cantor Magnani, é possível compreender outras dimensões do sensível, como as semelhanças e as diferenças entre as imagens dos “cronistas da cidade” sobre os campos de subúrbio de bairros da periferia de Fortaleza e as representações oficiais dos gestores governamentais sobre as Areninhas.

Tanto as Areninhas como os campos de subúrbio são representados como espaços de sociabilidades, ou seja, uma cidade pulsante a partir desses campos de futebol. Porém, enquanto os campos de subúrbio aparecem como lugares desagregados, abandonados, tradicionais, de memória e do inusitado, as Areninhas surgem na cidade como espaços “modernos”, para a “promoção de paz”, “formação cidadã”, “descobrimento de novos talentos”, “fantásticos”, “gerador de uma economia local” e “de uma política pública de sucesso”.

Durante a pesquisa, a gestão municipal foi alterada, porém as Areninhas continuaram a ser apresentadas pelos gestores governamentais como um espaço que “requalifica, leva iluminação, pavimentação. Esse é um equipamento que promove inclusão social e muda a vida da comunidade”, como fala José Sarto, prefeito de Fortaleza.

“Se mover, conhecer e descrever” a Areninha Pirambu

O trabalho de campo na Areninha do bairro Pirambu durante os anos de 2019 e 2020, ou o “se mover, conhecer e descrever” do pesquisador, com base no antropólogo britânico Tim Ingold, o cotidiano de um espaço de Fortaleza, apresenta alguns dos conflitos sociais presentes na cidade a partir das práticas de sociabilidades dos usuários desse campo de futebol e do seu entorno em diferentes temporalidades, como os usuários ilegais de maconha, as facções criminosas, as disputas políticas durante o período eleitoral, as pessoas em situação de rua e o comércio de drogas na cidade.

A Areninha do Pirambu ocupou o Campo do Parque Oeste (Foto: Divulgação)
A Areninha do Pirambu ocupou o Campo do Parque Oeste (Foto: Divulgação)
O futebol amador em Fortaleza não morreu, mas parece estar mudando de lugar

Como nos lembra o historiador carioca Luiz Antônio Simas, “nossas maneiras de jogar bola e assistir aos jogos dizem muito sobre as contradições, violências, alegrias, tragédias, festas e dores que nos constituíram”.

Nesse sentido, a pesquisa mostra que o futebol amador em Fortaleza não morreu, mas ele parece estar mudando de lugar, dos tradicionais campos de subúrbio para as Areninhas, como ressaltam os entrevistados desse estudo mais saudosistas.

“Sobre a mudança dos campos de futebol de barro, de areia, de pedra, de capim e até gramado que a gente tinha né? O Thauzer Parente, por exemplo. É uma mudança extraordinária em alguns aspectos, como, por exemplo, na urbanização do local. Eu moro próximo a uma Areninha, a Areninha do Planalto Ayrton Senna, que foi construída no Campo do Vila Nova. A Areninha hoje é o ponto principal de referência no bairro. Muitas pessoas fazem o seu ganha pão no calçadão entorno da Areninha. Crianças jogam futebol, adultos, pessoas que nunca mais tinham dado um chute em uma bola voltaram a fazer exercício. Dentro da Areninha serve até para futebol, como a gente fala. Serve para evento religioso, cultural, isso dentro do campo de jogo, pois não maltrata o gramado. É um equipamento extraordinário, espetacular, e que ao invés de reclamar por conta de um ou outro probleminha a gente deve é comemorar a chegada das Areninhas. Eu sinceramente fiquei muito feliz. Agora é o que eu digo, muda o estilo de jogo, a pegada, a Areninha é um pouco mais reduzida. Enfim, é diferente, é diferente. Agora que é um equipamento extraordinário, espetacular, não há a menor dúvida”.

(Tony Pereira, presidente da FCFA e do Sindicato dos Radialistas do Ceará.)

O trabalho sobre o futebol amador de Fortaleza contou com reportagens do Verminosos por Futebol como fontes de pesquisa, como as matérias sobre o Floresta Esporte Clube e sobre o técnico cego Flávio Aurélio Silva, do Juventude do bairro Bom Jardim.

“Nossas maneiras de jogar bola e assistir aos jogos dizem muito sobre as contradições, violências, alegrias, tragédias, festas e dores que nos constituíram”. (Luiz Antônio Simas)

O que são as Areninhas?

Na época da disputa da Copa do Mundo de 2014, foram inauguradas em Fortaleza as primeiras Areninhas, espécies de escalas reduzidas das arenas multiuso de futebol profissional.

As Areninhas possuem campo com gramado sintético, bancos de reservas, arquibancadas, alambrados e vestiários, contrastando com a arquitetura simples dos tradicionais campos de futebol de subúrbio de terra batida e arquibancada de madeira.

As Areninhas consistem em campos de futebol urbanizados e requalificados pela Prefeitura de Fortaleza, localizados em bairros com alto índice de vulnerabilidade social e baixo índice de Desenvolvimento Humano (IDH). São equipamentos padronizados e possuem uma estrutura física semelhante. Além do campo de futebol, a área do entorno dos campos também é requalificada com parque infantil, academia ao ar livre e plantio de árvores.

Diversas Areninhas inauguradas e entregues foram construídas no lugar de campos de futebol de subúrbio, como a Areninha Campo do América (antigo Campo do América) e a Areninha Pirambu (antigo Campo do Parque Oeste).

> Guilherme Custódio é jornalista formado na Universidade de Fortaleza (Unifor), mestre e doutorando em Sociologia pela Universidade Estadual do Ceará (Uece). É membro do Grupo de Pesquisa Ciências Sociais e Cidade, da Uece, tendo realizado pesquisas nas áreas de sociologia urbana e do esporte. É jogador de futebol de subúrbio.

Serviço:

Confira a íntegra da dissertação de mestrado “A cidade das Areninhas: transformações urbanas do sensível“, de Guilherme Custódio.

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Uma resposta para “Estudo analisa a transformação de campos de terra em Areninhas em Fortaleza”

  1. Detalhe que considero importante é a garantia de que os espaços não serão ocupados por outros empreendimentos imobiliários. Era gritante a derrocada de campos na cidade, sobretudo na periferia.

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