“Eu vi o Íbis ganhar um jogo”, diz Xico Sá
Xico Sá reconta o dia em que presenciou vitória do Íbis sobre o Náutico, nos Aflitos
Por Xico Sá.
Sabe quando bate uma premonição futebolística? Tipo Chico Xavier soprando o placar no teu cangote? Foi assim que rolou naquela aprazível tarde de sábado, 25 de março de 2000. Tirei a nega da rede e fomos correndo ao estádio dos Aflitos, onde o poderoso Náutico Capibaribe enfrentaria o esquadrão do Íbis, tido e havido como o pior time profissional do mundo. Última rodada do 1º turno do Campeonato Pernambucano.
Vestidos com o manto do Pássaro Preto, eu, a nega, o filho do presidente do Íbis e Seu Chico, então conhecido como único torcedor de verdade do time, adentramos o estádio da Rosa e Silva sob vaias e gozação da massa alvirrubra. Não era uma tarde qualquer, eu sentia o cheiro da desgraça no ar. Não é que o Íbis, naquela ocasião com uma camisa rubro-negra à Milan, resolve decepcionar os seus quatro torcedores presentes? Lentamente o garoto do placar, que devia estar dormindo àquela altura do 2º tempo, estampa: Náutico 0x1 Íbis.
Começamos a cornetar. E o Pássaro Preto – a mascote do time é uma homônima e agourenta ave egípcia – todo fechadinho lá atrás. Melhor que a retranca do Once Caldas. A nossa turma do amendoim prosseguia com a divertida cornetagem na tentativa de fazer o pior do mundo esquecer o gosto da vitória. Pelamordedeus, onde já se viu? O Íbis vencendo? Era o fim do mundo.
Nosso barulho era tanto que a torcida do Náutico começou a ficar irritada com a gozação. Eles também não acreditavam no que viam. O melhor é que o embate virou um jogaço. Seu Chico torcia a sério. Tem um nome a zelar como solitário torcedor das antigas. O filho do presidente, Ozir Ramos Júnior, se o espírito não me engana, também se empolgou. Desceu para o alambrado para tentar segurar, no grito e na marra.
Um silêncio sepulcral, como narravam os cronistas das antigas, ia tomando conta do estádio dos Aflitos. Perder para o Íbis seria o maior motivo de gozação que um torcedor já sofrera na vida. O sinal dos 45 do 2º tempo tomou conta de toda a cidade do Recife. Os doidos da Tamarineira, hospício ali da vizinhança, também não acreditavam no que ouviam.
“Náutico 0x1 Íbis. Nem os doidos do hospício da vizinhança acreditavam”.
(Como repórter esportivo nos anos 80, eu testemunhara até treinos do Íbis, mas nunca havia visto o danado ganhar, nem mesmo do próprio time reserva. Passava jogos e mais jogos sem tirar o zero do placar. Na “comemoração” do cinquentenário do clube, em 1988, o slogan dizia tudo: “Íbis, 50 anos de derrotas”. Quando uma desavisada molecada cometeu a loucura de ganhar o campeonato de juvenis, dez anos depois, a diretoria cuidou rapidinho de vender a equipe inteira, sob o risco de perder o grande patrimônio de fracassos.)
O juiz apita, depois de um épico acréscimo que durou uma guerra de Tróia para o time do Íbis e os seus quatro torcedores. O garoto do placar não acredita no que vê, acha que dormiu no meio do jogo e esqueceu de marcar uma goleada do Náutico. Assim é se lhe parece: 0x1 para o visitante.
Irada, parte da torcida do Náutico nos cercou, mesmo sob a forte chuva. O encorajamento da cachaça corria nas veias e me fazia continuar com a gozação. A nega, toda molhadinha, tentava me segurar. Sob a proteção da PM, deixamos o estádio uma hora depois do jogo das nossas vidas. Para nossa sorte, o Íbis seguiu apanhando pelo resto do campeonato. Mais uma vez, foi o lanterninha daquele ano. Hoje na Segundona, o Ed Wood do futebol mantém a gloriosa escrita.
> Texto publicado originalmente na extinta Revista 10, na edição de julho de 2004.
Xico Sá é jornalista.
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