Como é a atmosfera do estádio do Espanyol em dia de clássico contra o Barcelona
O duelo entre primo pobre e primo rico de Barcelona é um confronto também permeado por política
Por Victor Caselli
Domingo de clássico em Barcelona. O tempo na cidade era feio, fazia frio, chovia e ventava muito. Já nos bastidores, o clima pegava fogo, aquecendo o inverno mais intenso que a Catalunha presenciava nos últimos anos. De um lado, o Barça; de outro, o Real. Não, não era Barcelona contra Real Madrid, era Barça x Reial Club Deportiu Espanyol de Barcelona, o “primo pobre” da cidade, um rival local.
Era meu primeiro fim de semana sozinho na Espanha, então nada melhor que acompanhar uma partida de futebol ao vivo. Tentei comprar o ingresso pela internet, mas já estavam esgotados no site oficial. Me restou então uma única alternativa: procurar em um desses pontos de informação para turistas. Consegui um nas Ramblas, perto de casa, por 100 euros. Caríssimo, mas decidi aproveitar a oportunidade, já que era um dos últimos tickets disponíveis para o derby.
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Polêmica pré-clássico
A partida, disputada no primeiro domingo de fevereiro, era válida pela La Liga, o Campeonato Espanhol. Dez dias antes, em um jogo da Copa do Rei, o time de Messi e companhia havia eliminado o mesmo adversário em um confronto pegado, que ficou ainda mais quente depois de uma declaração do zagueiro Gerard Piqué, que se referiu ao rival como “Espanyol de Cornellà” e não Espanyol de Barcelona, como expressa seu nome.
Sua fala gerou incômodo em dirigentes e torcedores do clube, que a consideraram xenófoba. Cornellà de Llobregat é um município no subúrbio de Barcelona, onde a maioria de seus habitantes é de origem humilde e mais pobre. Desde 2009 o Espanyol tem sua sede na cidade, assim como o campo onde manda seus jogos, o RCDE Stadium, popularmente conhecido como Cornellà-El Prat.
Como chegar lá
Para chegar ao estádio, peguei a L3 verde do metrô na estação Drassanes, que ficava a poucos metros de onde eu morava. De lá, segui três paradas até a famosa Plaza Espanya, onde embarquei em um trem da FGC da linha L8 até a estação Cornellà-Riera. Depois de dez minutos caminhando, cheguei ensopado ao local do embate.
Para piorar, minha cadeira ficava no último andar, no canto direito superior para quem via o jogo pela televisão. E, apesar de o estádio ser quase todo coberto, a ventania trazia a incessante chuva torrencial para quem estava torcendo naquela área. Azar o meu, peguei um leve resfriado.
Começou a partida. A tensão era clara, os jogadores estavam exaltados, a torcida inflamada, e o dilúvio continuava caindo. Jogadas ríspidas aconteciam à medida que as poças d’água se espalhavam pelo gramado. Para acalmar os ânimos, o árbitro distribuía cartões amarelos.
Não sou torcedor do Espanyol, mas me sentia mais um deles – geralmente torço para o time mais fraco em um duelo assim. Durante todo o jogo, vaias para Piqué. Além da provocante declaração, o marido da cantora Shakira defende a liberdade de expressão da Catalunha, e provavelmente sua independência, mesmo que não o faça abertamente.
Orgulho espanhol x Orgulho catalão
O clube de Piqué, o Barcelona, é fortemente ligado com as questões independentistas da região. Já o Espanyol, historicamente, sempre esteve associado com a Espanha, e Cornellà possui muitos habitantes que são trabalhadores migrantes espanhóis de outras regiões e são contra o separatismo catalão.
O primeiro tempo terminou sem gols, mas durante os 45 minutos iniciais pude notar algumas curiosidades que explicam as diferenças políticas entre os clubes. Muitas bandeiras espanholas estavam presentes na arquibancada, e se me recordo bem, nenhuma catalã. Além disso, a maioria dos pouco mais de 23 mil torcedores eram espanhóis, provavelmente da Catalunha.
Vi poucos “turistas” como eu no estádio e nas redondezas, apenas uma família turca ao meu lado e uma equipe de futebol juvenil norte-americana algumas fileiras acima – completamente o oposto do que ocorre no Camp Nou, onde milhares de estrangeiros vão assistir ao Barça a cada fim de semana.
Vi poucos ‘turistas’ como eu no estádio e nas redondezas, apenas uma família turca ao meu lado e uma equipe de futebol juvenil norte-americana algumas fileiras acima.
Na segunda etapa, Lionel Messi entrou. O craque argentino começou no banco e causou um alvoroço na torcida e no campo, desconcertando os zagueiros adversários com suas jogadas mágicas. Entretanto, quem abriu o marcador foi a equipe da casa, com Gerard Moreno – que completava 100 jogos com a camisa dos Pericos. Só que, no final da peleja, veio o gol de empate dos Blaugrana. Piqué de cabeça, com cruzamento de Messi, decretou a igualdade.
Na comemoração, provocou com o dedo na boca, pedindo silêncio para a torcida do Espanyol, o que gerou uma confusão em campo e mais ira nas arquibancadas. Xingamentos a ele e sua família foram entoados, assim como cânticos contra o Barcelona, parecendo uma típica rivalidade sul-americana. Mas não, era uma rivalidade espanhola: o orgulho catalão contra o orgulho Espanyol.
> O jornalista Victor Caselli, pós-graduado em Jornalismo de Viagens pela Universidade Autônoma de Barcelona, é autor dos livros “Futebol Universitário: Brasil x EUA”, “Ayakkabi” e “Crônicas de Viagem” e cofundador do blog de viagens porsuszapatos.com.
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