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Futebol e política se misturam? Este ensaio lista inúmeros casos que comprovam que sim

O estudante Pedro Sombra descreve, de forma profunda, o uso do futebol como instrumento político-ideológico

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O St. Pauli, da Alemanha, é só um dos casos de identificação de torcidas com movimentos político-ideológicos (Foto: St. Pauli)
St. Pauli: um dos casos de relação de torcidas com movimentos político-ideológicos (Foto: St. Pauli)

Por Pedro Sombra

O futebol mundial tem se tornado, cada vez mais, uma universal, acessível e popular plataforma de integração e de interação social. Com uma incrível capacidade de retratar fielmente os costumes de determinadas sociedades, a arte da bola no pé definitivamente transcende o meramente simples esporte. Muito além das quatro linhas, essa atividade pública se demonstra como um resultado direto da dialética das relações entre globalização, identidade nacional e, infelizmente, extremismo.

A imensa variedade de abordagens e aplicações no contexto futebolístico revela, com efeito, a transformação do esporte em um espelho da geopolítica, bem como em uma complexa rede industrial e comercial capitalista de categoria modernamente mundial.

Ademais, o esporte mais praticado do mundo pode assumir uma classificação bem contextualizada. Por um lado, temos um futebol nacional, o qual representa um refúgio para qualquer um que se encanta com as paixões do jogo. Por outro, temos um futebol transnacional, em que as interações são, como no ambivalente mundo globalizado, constantes, multidirecionadas e diretamente dependentes de interesses.

O novo futebol da globalização

O fato é que o futebol, desde quando adquiriu um extenso público de massa, estimulou, em centenas de nações, duas formas de identificação grupal: uma local, com o clube regional, e uma nacional, com a seleção do país. Nesse gradual avanço do esporte, criou-se uma profunda relação entre os interesses – empresariais, políticos e econômicos – dos que detêm os sentimentos populares de pertencimento nacional e o poder.

Essas transformações são produtos evidentes do processo de globalização, o qual se disseminou rapidamente pelo globo terrestre no final do século XX. Com isso, o futebol se tornou um instrumento político-ideológico substancialmente estratégico, seja para a indústria do esporte seja para as instituições que o integram.

Efetivamente, todos esses desenvolvimentos trouxeram efeitos aparentes, em aspectos tanto positivos quanto negativos. Um desses impactos, na perspectiva dos clubes, é o considerável enfraquecimento da posição e do reconhecimento de todos aqueles que não se encontram no eixo mundial das superligas internacionais, representadas por Inglaterra, Espanha, Alemanha, Itália e França.

Essa crise, como praticamente tudo na prática futebolística, foi além de seus limites predeterminados e apresentou mudanças marcantes na estruturação mundial do esporte, sobretudo americana, africana e asiática, assim como na representatividade das ligas periféricas. A política, paralelamente ao futebol, se tornou eurocêntrica.

Outro efeito da evolução estratégica do esporte é o conflito entre as empresas transnacionais de negócios e o futebol como expressão de identidade cultural e nacional, uma vez que há uma valorização – favorecimento – de torneios internacionais, em contraste a uma desvalorização – desfavorecimento – dos torneios tradicionais regionais, a exemplo de um campeonato nacional ou de uma copa estadual. Tal configuração passa despercebida por muitos, mesmo que seja notório que tal diferença de prestígio seja moldada pelos interesses das elites do futebol.

Ademais, a ambição pelo controle do cenário político e futebolístico cria uma disputa latente entre os denominados “superclubes” e as seleções nacionais. Assim, entra em questão o choque entre a emocional carga política da identidade regional (dos clubes) e da identidade nacional (das seleções).

Identidade regional

Com o advento de um futebol cada vez mais globalizado, porém eurocêntrico, as identidades regionais foram ganhando força em extensas proporções, mas sem um nacionalismo necessariamente extremista. Na nova ordem mundial da geopolítica e do futebol, diversas comunidades autônomas assomaram com peso e com voz, o que trouxe uma nova perspectiva acerca das seleções nacionais, principalmente no tocante às rivalidades extracontinentais entre Europa e outras nações de outros continentes. Todavia, para tal compreensão, é necessário primeiro levar em consideração as peculiaridades de cada país.

Antes, deve-se considerar como incontestável a importância simbólica do destaque do futebol estrangeiro dentro do contexto europeu, uma vez que, para muitos dos países africanos e para alguns dos países asiáticos, em que os jogadores ganham prestígio na economia dos grandes clubes, a existência da seleção nacional de futebol estabeleceu, por vezes até mesmo de forma insólita, uma identidade nacional independente das identidades locais, tribais ou religiosas.

Assim, apesar da existência de polarizações e nacionalismos extremistas, o futebol propicia a intensificação do sentimento de pertencimento nacional ou regional, em uma dinâmica muito marcada pelo orgulho, pelo patriotismo e pela preservação de tradições específicas, a exemplo de três renomados clubes: o Club Deportivo Guadalajara, o Futbol Club Barcelona e o Athletic Club. Cada um possui motivações singulares e distintas, mesmo que apresentem certas características em comum.

GUADALAJARA

O primeiro, time mexicano da cidade de Guadalajara, no estado de Jalisco, é considerado por muitos como a mais expressiva equipe do México, com uma das maiores torcidas da América e do mundo. O que marca, definitivamente, sua identidade e sua identificação é o seu código de contratação de jogadores, o qual se restringe aos limites do território mexicano.

Assim, o time conhecido como Chivas demonstra a importância de investir na base nacional e no futebol mexicano, bem como reafirma suas origens, priorizando a compra de competidores conterrâneos. Lá, isso vai além do que uma limitação, representando uma manutenção dos costumes da região e um fortalecimento da sua filosofia como instituição esportiva.

O Guadalajara limita contratação de jogadores mexicanos (Foto: Rebaño Sagrado/Yucatán)
O Guadalajara limita contratação a jogadores mexicanos (Foto: Rebaño Sagrado/Yucatán)

FC BARCELONA

O segundo, praticamente impossível de não ser reconhecido, é o Barcelona, clube tradicionalmente glorioso e vitorioso da homônima capital da Catalunha. Influenciado pela onda de movimentos separatistas espanhóis que surgiram com a nova organização da política internacional, o time, como instituição, apoia aberta e categoricamente o processo de separação da região. Mais recentemente, a pressão catalã pela independência regional ocorreu por meio de plebiscitos informais.

Dessa forma, analogamente a tudo que ocorre na sociedade, os ideais separatistas encarnaram no ambiente futebolístico através da torcida e dos jogadores do Barcelona, a maioria espanhóis e catalães, os quais se manifestaram declarando apoio ao movimento, portando bandeiras, camisas e símbolos da região.

Campanha em prol da independência da Catalunha é comum na torcida do Barça (Foto: Reprodução)
Campanha em prol da independência da Catalunha é comum na torcida do Barça (Foto: Reprodução)

ATHLETIC CLUB

Já o terceiro é o Athletic Club, ou simplesmente Atlético Bilbao. O time da região da Biscaia, situada na fronteira entre o norte-nordeste da multicultural Espanha e o sudoeste da França, cultiva, até que radicalmente, as tradições do País Basco, um dos territórios que compõem o Estado multinacional espanhol, conhecido pela variedade de grupos étnicos que estabelecem a sua coesão cultural e social. Marcado historicamente por invasões vikings, isolamentos geográficos e preservações de costumes milenares, o time e o país guardam, até hoje, o denominado “orgulho basco”, se comunicando pelo idioma local, o euskara, e mantendo as tradições ao longo das gerações.

Nesse contexto, o time de Bilbao é referência no tocante ao cultivo da identidade basca, uma vez que é um dos únicos clubes do mundo, junto ao Guadalajara e a outros, a implementar uma política de transferências voltada exclusiva e restritamente aos jogadores desenvolvidos, nascidos ou com descendentes do País Basco. Esse modelo de gestão é praticamente inviável nas circunstâncias do novo futebol moderno e comercial, mas, mesmo assim, o clube consegue se manter firme e mostra bons resultados.

De fato, a região dos Pirineus Atlânticos reforça, cada vez mais, por meio do Athletic Club, o sentimento de união do povo pelas suas origens. Para quem superou a opressão do franquismo e foi eternizado no quadro “Guernica”, de Pablo Picasso, o País Basco resiste e mostra um tradicional futebol, ainda com grande qualidade.

O Athletic de Bilbao é um dos raros clubes que restringem atletas de uma região (Foto: Reprodução)
O Athletic de Bilbao é um dos raros clubes que só têm atletas de sua região (Foto: Reprodução)

O nacionalismo exacerbado

Ainda no contexto eurocêntrico de valorização do futebol europeu em detrimento do restante do mundo, o nacionalismo aumentou exacerbadamente, em razão da ascensão de jogadores da “periferia do esporte”, como da Ásia e da África, nas ligas elitistas, o que gera o orgulho daquele que superou as dificuldades estruturais do sistema, mas também o repúdio daquele que não aceita o sucesso estrangeiro nas superligas.

Daí se atesta a crescente proeminência do comportamento xenofóbico e racista entre os torcedores, majoritariamente masculinos, principalmente nos países que compõem o eixo eurocêntrico citado anteriormente – Inglaterra, Espanha, Alemanha, Itália e França.

Prova dessa herança de intolerância e preconceito no futebol geopolítico é o Real Madrid, um superclube no cenário mundial o qual se ergueu, historicamente, com o apoio do franquismo. O time da capital espanhola tinha o carinho do ditador Francisco Franco, o qual oprimiu severamente as minorias étnicas da Espanha, como os galegos, os bascos, os catalães e os navarros. Mesmo construindo sua glória a partir do favoritismo político do líder totalitário do Período Entreguerras, o clube madrileno tenta aprender com os erros do passado e construir uma nova trajetória para o futuro da sua história.

O Real Madrid se ergueu, historicamente, com o apoio do franquismo (FOTO: Arquivo Marca)
O Real Madrid se ergueu, historicamente, com o apoio do franquismo (Foto: Arquivo Marca)

A propagação do extremismo

Gravemente, a existência de grupos extremistas no futebol europeu não se restringe somente às ligas profissionais, abrangendo também o esporte amador e de ligas inferiores na hierarquia esportiva. O extremismo contemporâneo se manifesta com intensidade em diversas áreas por meio de movimentos, sobretudo de extrema direita, como o neonazismo, representado por grupos como os skinheads, os hooligans ou os ultras. Assim, tais ideologias de antissemitismo, racismo, fascismo e xenofobia são amplamente divulgadas na plataforma do futebol, a qual é totalmente vasta e popular. Nesse meio, os radicais de direita expressam suas convicções através de códigos ou símbolos específicos, mesclando elementos tanto do futebol quanto da política.

Além de tudo isso, a estrutura das torcidas organizadas extremistas, acima de tudo nacionalistas, é minuciosamente planejada, fornecendo, por exemplo, pontos de contato para os grupos de extrema direita. Assim como os grupos nazistas, as associações de torcedores são compostas principalmente por homens jovens, que se organizam de forma estratégica e que veem o clube como algo além de somente uma instituição atlética.

A partir disso, as arquibancadas dos estádios se infestam de xingamentos e insultos nos gritos das torcidas. E, para piorar, manifestam-se, aos poucos, correntes negacionistas em pleno convívio esportivo, deturpando os fatos históricos e alastrando a intolerância quase que como uma praga.

Em uma mistura de nacionalismo e de extremismo político-ideológico, tais torcidas, com bandeiras, faixas e cantos antissemitas de extrema direita, dominam a cena e os holofotes de seus respectivos campeonatos, se declarando, majoritariamente, adeptos, até mesmo por herança sociocultural, ao nazi-fascismo.

Exemplo explícito da ascensão do neonazismo e do neofascismo na Europa são determinados clubes da Itália e do Leste Europeu. Cabe-se abordar um grande “representante” desse fenômeno contemporâneo: a Lazio.

LAZIO

Fundada em 1900, nos arredores da Piazza della Libertà, a Società Sportiva Lazio é um dos principais clubes da Itália. Situada na região de Lácio, nas proximidades da capital italiana, a equipe joga no Stadio Olimpico de Roma, fazendo o pujante e tradicional clássico Roma-Lazio. O denominado Derby della Capitale lota as arquibancadas e gera, muitas vezes, conflitos, tensões e brigas. A rivalidade absurda por traz da partida vai além do esporte, assumindo, (in)felizmente, aspectos políticos.

A Lazio possui uma comunidade com ideais bem definidos, em uma junção de nacionalismo e de extremismo político-ideológico. Sua torcida é altamente envolvida com temas políticos, todavia com ideologias questionáveis, ou, no mínimo, polêmicas. Sua mais conhecida torcida ultra é a Irriducibili, a qual encerrou suas atividades há quase duas décadas. Dentre as maiores contradições da organização, cabe salientar, algumas atitudes que demonstram as facetas fascistas e antissemitas do futebol italiano.

Os ultras da Lazio constantemente entoavam cânticos de forma pejorativa e preconceituosa contra a comunidade judaica europeia e italiana. Ademais, já desprezaram fatos históricos da Segunda Guerra, zombando do Holocausto e do Campo de Concentração de Auschwitz. Afirmando seu caráter nazi-fascista, carregavam nas partidas mais emblemáticas faixas nazistas com a suástica e fascistas/racistas com a cruz celta, assim como gritavam com frequência “Duce” – líder, em italiano –, enaltecendo o ditador Benito Mussolini. Além disso, jogadores alinhados aos ultras já fizeram saudações nazistas ao marcarem gols no derby da capital, explicitando seus ideais políticos.

Mesmo com tantos casos e acontecimento, o ato mais repugnante do futebol não só italiano como internacional, também veio das torcidas ultras da Lazio, quando, em 2017, grupos extremistas do clube fizeram uma montagem com a icônica e célebre personagem de guerra Anne Frank, estampando uma imagem da garota judia usando o uniforme da Roma, principal rival do time de Lácio. A repercussão foi instantânea, ocasionando diversas multas ao clube e notas de repúdio nacionais, o que incitou o surgimento de campanhas contra o antissemitismo e o preconceito no geral.

Assim, simbolicamente, antes do começo das partidas, a arbitragem das ligas italianas chegou a ler trechos do Diário de Anne Frank, em homenagem às vítimas do Holocausto. Paralelamente, os jogadores da Lazio entraram em campo com camisas comemorativas que mostravam o rosto da garota, como forma de prestar respeito histórico e de tentar se redimir.

Entretanto, tal fama antissemita da Lazio não pode ser generalizada, tendo em vista que somente uma parcela do clube, mesmo que significativa, apoia tais ideias. A própria entidade e as outras torcidas do time afirmam não compactuar com tais ideologias, repudiando categoricamente tais atitudes dentro – e fora – do estádio. Apesar disso, a passividade do clube no combate ao antissemitismo e ao preconceito demonstra a existência de marcas do nazi-fascismo em sua história. De fato, o esporte é uma ferramenta de manifestação política, em uma inerente relação com as crenças de determinado indivíduo, grupo ou comunidade.

A Lazio possui a torcida de uma comunidade que une nacionalismo e extrema-direita (Foto: Plínio Lepri/AP)
A Lazio possui a torcida de uma comunidade nacionalista de extrema direita (Foto: Plínio Lepri/AP)

A política polarizada no futebol

Surge, então, aliado ao patriotismo extremado, o principal efeito das transformações futebolísticas da globalização: a polarização político-ideológica do futebol, uma vez que esse se envolve intrinsecamente com as questões econômicas, sociais e políticas contemporâneas. Relacionada com o nacionalismo exacerbado, a polarização se configura como um perigoso instrumento político que, por intermédio das partidas de futebol, disseminam discursos extremamente polarizados. Em decorrência disso, diversos líderes e grupos políticos se aproveitam da popularidade do futebol para propagar seus interesses estratégicos.

O fator que mais agrava esse quadro é a crescente importância dos competidores africanos, asiáticos e latinos no contexto do futebol internacional, o que gera o incômodo das torcidas radicalistas de times europeus, fato que evidencia o sujo legado do colonialismo imperialista da Europa. Incomodados pelo destaque de jogadores estrangeiros, em especial negros, em clubes europeus, esses “torcedores” mancham, com atitudes desrespeitosas, a cena do futebol hodierno, ignorando o caráter artístico-cultural da atividade esportiva. Nitidamente, não há maior forma de resistência no futebol do um jogador de fora do eixo marcar um golaço contra/por um time europeu.

Ainda nesse ínterim, é intensa a recorrência de atitudes violentas entre torcidas em clássicos regionais intensos, por exemplo. Isso porque, tanto de um lado quanto de outro, o radicalismo protagoniza e rege as tensões atuais. Essa dicotomia entre direita e esquerda política é o principal elemento conflitante na conjuntura contemporânea. Grupos opositores extremistas se enfrentam constantemente, em um embate ideológico massivo.

Todavia, ao mesmo tempo que aumenta o número de clubes extremistas, nacionalistas, preconceituosos e intolerantes no contexto mundial, surgem também clubes reacionários, como é o caso do St. Pauli e do Livorno, que lutam por seus ideais com linha dura, mas sem violência.

ST. PAULI

O Fußball-Club Sankt Pauli von 1910, ou simplesmente St. Pauli é, sem dúvidas, um dos principais clubes de resistência antifascista e antinazista na Europa. Com manifestações ostensivas de combate ao preconceito e ao totalitarismo, a torcida da equipe, que disputa a segunda divisão alemã, demonstra rigidez e perseverança, defendendo a equidade e a tolerância no futebol.

O time de Hamburgo é conhecido por muitos por ser rebelde, progressista, insurgente, libertário e, em especial, punk. Mesmo sem ter tanta expressividade no futebol europeu, o St. Pauli engrandece seu tamanho a partir da forma de manifestar seus ideais. Em seu próprio estatuto, são declarados abertamente os princípios do clube, os quais determinam o caráter antinazista, antirracista e anti-homofóbico da instituição esportiva. A diretoria e a torcida possuem uma grande união e uma forte compatibilidade, o que permite uma maior interação entre as partes.

Desse modo, a torcida hamburguesa personifica os valores de seu estatuto. Não à toa, são conhecidos como os piratas da liga. Ademais, vale marcar que o clube possui a maior torcida feminina da Alemanha.

Essa índole rebelde teve início nos anos 80, quando o clube passou por crises financeiras conturbadas. Nessa época, os moradores da região de St. Pauli começaram a apoiar financeiramente o clube para sua manutenção. Seu estilo punk de rock e de rebeldia rendeu ao clube uma grande fama, o que fez com que ele fosse associado ao símbolo da caveira pirata. O ícone simbólico representa muito para o time, sendo até considerado como seu segundo escudo.

Já na década de 90, com a intensificação da polarização política no futebol e na sociedade, sobretudo com a ascensão do neonazismo dentro da Alemanha e da Europa, o St. Pauli passou a se posicionar de forma ostensiva, em seu estatuto, quanto ao combate aos ideais totalitários e preconceituosos.

Seu estilo punk de rock e rebeldia rendeu ao St. Pauli grande fama (Foto: Yahoo Sports/Reprodução)
Seu estilo punk de rock e rebeldia rendeu ao St. Pauli grande fama (Foto: Yahoo Sports/Reprodução)

Seu estádio, o Millerntor-Stadion, apresenta uma atmosfera diferenciada, proveniente da união entre torcida e diretoria. No túnel do vestiário, a ambientação do local mostra um clima hostil, rude e antipático, com pichações que botam medo nos clubes nazistas e de direita que enfrentam a equipe de Hamburgo. A frase principal do túnel é altamente objetiva, apresentando de cara um “Bem vindo ao inferno” (Welcome Hell), acompanhado do hino tradicional da torcida: a música “Hells Bells“, da banda de rock AC/DC.

Sem contar dentro de campo, em que a peculiar atmosfera, com inúmeras bandeiras, faixas e tifos, revela explicitamente os ideias presentes no estatuto do clube. No St. Pauli, não há medo de nazista, muito menos de se expressar.

LIVORNO

Fundada em 1915, na região portuária da Toscana, em Livorno, na Itália, a Associazione Sportiva Livorno Calcio é um dos mais tradicionais clubes italianos. Com uma população operária intrinsecamente relacionada com os portos da cidade, a trajetória do Livorno evidencia como, durante toda a história do clube, cidade e do país, o futebol significaria muito mais do que um esporte para a população, sendo uma forma de protesto e expressão política, muito além do mero entretenimento esportivo.

De fato, o clube é a contracorrente ideológica do futebol italiano. Em meio a um cenário político de repressão das massas, de agravamento extremado das polarizações ideológicas e de retorno dos ideais fascistas na atualidade, o Livorno representa o lado vermelho da Itália, demonstrando uma convicção política de resistência bem definida.

E, dentro de um país que passou mais de 40 anos sob o poder da extrema direita italiana, comandada por líderes políticos como o ditador Benito Mussolini, a existência de um time com ideias comunistas é uma afronta ao sistema. Assim, batendo de frente com o fascismo, o Livorno, bem como a cidade, sempre se afiguraram como as pioneiras na resistência italiana. Não é por acaso que, em 1921, surge, em Livorno, o primeiro partido comunista do país. Efetivamente, a região tem tradição no tocante ao combate aos regimes de extrema direta.

É inegável que o fascismo faz parte da cultura italiana e deixou marcas profundas, as quais permanecem na sociedade até hoje, em um legado nefasto. Diante desse cenário, há um Livorno que se destaca como o lado oposto e alternativo do futebol italiano. Sua própria torcida esclarece que “se você torce para o Livorno, então você é comunista”.

Essa afirmação de seus ideias reforça-se com a concreta definição dos seus posicionamentos, demonstrando o histórico não só do clube como também da cidade de forte posicionamento político, conforme é possível discernir ao ver, por exemplo, os tifos da sua torcida, autodeclarada comunista e de esquerda. A ideologia da cidade possui essa tradição, de forma que o local serviu, e ainda serve, como um refúgio para liberais, esquerdistas e comunistas, tal como foi o ninho de muitos líderes comunistas italianos.

O Livorno representa o lado vermelho da Itália (Livorno/Divulgação)
O Livorno representa o lado vermelho da Itália (Livorno/Divulgação)

Uma das principais personalidades do time é o atacante Cristiano Lucarelli, comunista assumido e torcedor fanático do Livorno, que sempre lutou pelos ideais da equipe e se posicionou com convicção em favor do antifascismo e do comunismo. A história do jogador no futebol se mistura com a história do clube.

Suas comemorações de gol eram símbolos de luta e de resistência, em que ele erguia os punhos fechados em direção ao céu. Entretanto, seu gesto mais simbólico foi vestir uma camisa estampando o líder cubano marxista Che Guevara ao marcar um gol pela seleção azzurra. Com isso, mídia e confederação italiana o atacaram e sua convocação foi suspensa provisoriamente. Em 1999, Luccarelli ajuda a criar a BAL, sigla para Brigate Autonome Livornesi, a maior torcida comunista do Livorno.

Não é mistério que, inevitavelmente, o clube foi perseguido dentro de campo, porém de maneira indireta. É praticamente nítido que a liga italiana por vezes sabotou o clube por suas tendências comunistas, por intermédio de resultados em partidas emblemáticas e penalizações. Prejudicados dentro de campo em razão dos interesses parciais das entidades nacionais, o Livorno até hoje carrega essa repulsa às organizações políticas da Calcio da Itália.

Indubitavelmente, o Livorno, equipe tradicional, é símbolo da identidade da cidade, indo contra a cultura fascista italiana, imposta por décadas no país, assim como combatendo a xenofobia e o preconceito dentro e fora do futebol. Cantando “Bella Ciao“, o hino do movimento antifascista da resistência italiana, os Labronici mostram, mais do que nunca, como o futebol transcende o esporte. Fica claro, então, como o time nunca foi só mais um clube de futebol, mas sim um defensor político dos ideais da população e da comunidade regional. A política, efetivamente, sempre esteve presente na camisa de cada jogador e cada torcedor do Livorno.

Enumerando os mais ilustres clubes com grupos com tendências políticas de direita, tem-se como exemplos os seguintes times: FC Zenit São Petersburgo (Rússia); SS Lazio (Itália); Rangers FC (Escócia); Spartak Moscou (Rússia); Lokomotiv Moscou (Rússia); Real Madrid CF (Espanha); FK Estrela Vermelha de Belgrado (Sérvia); LKS Lodz (Polônia); Helsingborgs IF (Suécia); Hamburger Sport-Verein (Alemanha); Partizan Belgrado (Sérvia); Chelsea (Inglaterra); Hellas Verona FC (Itália); Sporting Lisboa (Portugal); Millwall (Inglaterra); Atlético de Madrid (Espanha); FC Twente (Holanda); Shamrock Rovers (Irlanda); Paris Saint Germain (França); Legia Warszawa (Polônia); Olympique Lyonnais (França); Lille (França); Racing Club (Argentina); Olympiacos F.C. (Grécia); FK Dinamo Minsk (Bielorrússia); Feyenoord Rotterdam (Holanda).

Dentre os mais ilustres clubes com grupos com tendências políticas de esquerda, cabe citar os seguintes times: AS Livorno Calcio (Itália); Celtic FC (Escócia); AEK Atenas (Grécia); Barcelona (Espanha); Eintracht Frankfurt (Alemanha); St Pauli (Alemanha); Athletic Bilbao (Espanha); Sport Club Corinthians Paulista (Brasil); PFC Lokomotiv Sofia (Bulgária); UC Sampdoria (Itália); Malmo FF (Suécia); Bohemians 1905 (República Tcheca); Arsenal Kiev (Ucrânia); Olympique de Marseille (França); Besiktas (Turquia); Impact de Montreal (Canadá); Seattle Sounders FC ( EUA); Virtus Verona (Itália); Vasco da Gama (Brasil); Sporting Toulon (França); Portland Timbers (EUA); Standard de Liège (Bélgica); Partizan Minsk (Bielorrússia); SF Babelsberg 03 (Alemanha); Werder Bremen (Alemanha); Rayo Vallecano (Espanha); FSV Mainz (Alemanha); Red Star FC (França).

Nota do editor: As listas acima não tratam-se de generalização; ou seja, não significam que toda a torcida seja de direita ou esquerda.

O futebol político-ideológico em prol da sociedade

Nesse aspecto, a análise que se vale salientar é o poder – para o bem ou para o mal – do futebol social de mudar realidades e de promover transformações na sociedade. Diversos clubes, em seus respectivos espaços, passam suas mensagens abertamente para a mídia e para os públicos telespectadores, principalmente através das torcidas. Ao mesmo tempo que há grupos que propagam a intolerância, o preconceito e a violência, existem outros que buscam combater essas patologias sociais, por outros meios e de outros modos. Dentre os times que assumem essa causa, é mister destacar: o Rayo Vallecano de Madrid, o Red Star Football Club, o Sport Club Corinthians Paulista e o Forest Green Rovers Football Club.

RAYO VALLECANO

O Rayo Vallecano de Madrid é um clube não tão expressivo da capital espanhola, todavia representa muito através das suas causas sociais e políticas. Fundado em 1924, o time nem chega aos pés, em termos de competição, dos rivais Real Madrid e Atlético de Madrid, os quais são gigantes espanhóis quando se trata de torcida, de investimento, de exposição da marca e de expressividade. Exatamente em razão dessa discrepância entre o Rayo e os seus rivais, o time passou a se apegar às origens do seu bairro na capital espanhola.

O Estádio de Vallecas é templo sagrado dos torcedores vallecanos, em que, durante as partidas, acontecem diversas manifestações sociais e políticas. Os torcedores aproveitam o estádio como um espaço de exposição das anomias da sociedade, de amplificação das suas causas e de difusão dos seus ideais. O posicionamento da torcida é muito relevante e mobiliza toda a comunidade regional.

Um grande caso de uso de imagens e textos pela torcida na defesa de valores foi uma faixa em referência ao jogador ucraniano Roman Zozulya, o qual é autodeclarado neonazista e foi jogar uma partida contra o time do Rayo, gerando algumas repercussões. No seu tifo, a torcida madrilena dizia, em em alto e bom tom, que o jogador não era bem-vindo nas dependências do estádio.

Mas o exemplo mais marcante dessa sensibilização do time às temáticas sociais foi um caso de solidariedade com Carmen Martínez Ayuso, uma senhora de 85 anos, torcedora assídua do Rayo, a qual foi despejada de sua casa em Madri após algumas dívidas. A torcida pequena se mobilizou, o que, juntamente com o clube, resultou no pagamento vitalício de um aluguel de uma casa nova para Carmen. Parte do dinheiro que sobrou foi devolvido espontaneamente pela senhora, a qual aplicou no clube para ajudar um ex-goleiro do time, o qual estava com câncer. Assim, a gentileza pôde ser retribuída.

A torcida do Rayo pagou de forma vitalícia o aluguel de uma torcedora de 85 anos (Foto: Marca)
A torcida do Rayo pagou de forma vitalícia o aluguel de uma torcedora de 85 anos (Foto: Marca)

Essa corrente de atitudes positivas também vem da diretoria. O Rayo possui uma tradição forte de modificar e de inovar seus uniformes, como foi o caso de uma coleção inédita que mantinha a tradicional faixa transversal do clube, mas alterando as cores de origem para as cores do arco-íris, representando a causa LGBTQI+, bem como uma coleção com a faixa na cor rosa, representando o combate ao câncer de mama.

Eles literalmente levantam sua bandeira para causas sociais. Atrás do gol, a torcida organizada mostra sempre faixas e bandeiras, prestando solidariedade e comoção às questões da cidade, bem como acolhendo os imigrantes que chegam a Madri e pressionando o governo municipal em alguns casos. Esse espírito revolucionário do clube faz com que a crença no poder de mudança do futebol aumente, propagando esperança. Consciência social, convicção política, união entre bairro, torcida e clube. Tudo isso faz com que, de forma espetacular, o Rayo Vallecano usufrua do futebol como um instrumento de transformação em prol da sociedade. É nesse ponto que se conclui, de fato, que o tamanho do clube é evidenciado por tudo aquilo que o faz utilizando o futebol.

O Rayo Vallecano trocou sua tradicional faixa como bandeira LGBTQI+ (Foto: Ali Express/Divulgação)
O Rayo Vallecano trocou sua tradicional faixa como bandeira LGBTQI+ (Foto: Ali Express/Divulgação)

RED STAR FC

O Red Star Football Clube é um dos clubes mais antigos e tradicionais da França, sendo fundado em 1897, nas proximidades da famosa Torre Eiffel. O time parisiense, o qual é 73 anos mais velho que o seu principal rival, o Paris Saint-German, foi perdendo, ao longo das décadas, sua relevância no cenário nacional devido a diversas crises financeiras e, sobretudo, a uma cultura de valorização do extra campo. A partir da década de 90, em que se verificou a intensificação do processo de mercantilização e modernização do futebol, o Red Star passou a assumir posturas, como instituição, de resistência ao novo padrão de um futebol meramente comercial.

Seguindo um raciocínio opositor ao simbólico futebol financeiro globalizado, a equipe busca focar nas questões sociais da sua região. Assim, para eles, o esporte funciona como uma ferramenta de desenvolvimento do cidadão, pelo qual é possível introduzir e inserir os jovens jogadores da sua base dentro da sociedade. Dentro das dependências do clube, aulas de culinária, pintura, edição de vídeo fazem parte da formação da base, com um desenvolvimento de novas aptidões e habilidades nos aspectos humanos. Seguindo fielmente essa lógica, os dirigentes do Red Star assumem que a função principal do clube é tirar o jogador/cidadão de bolhas sociais, ensinando-o e preparando-o para o mundo não só dentro como também fora da França.

Com isso, surge uma das maiores questões do futebol francês: a imigração e a xenofobia. É fato que a França possui uma grande comunidade imigrante em seu território, com um constante fluxo de imigrantes. Quanto a esse tema tão recorrente, o Red Star FC é referência, estabelecendo em seu estatuto seus ideais de respeito e tolerância, sendo oficialmente contra atitudes xenofóbicas. Ademais, a temática é amplamente debatida e analisada pela comissão técnica. Não dá para esquecer que, graças aos jogadores periféricos nacionalizados, a França conseguiu ganhar a Copa do Mundo de 2018, com um elenco multiétnico composto basicamente por imigrantes da África.

Em meio ao preconceito descarado do cenário francês, o clube criou uma política de inclusão e diversidade tanto no elenco quanto na sua torcida e na sua comunicação, de forma que o anúncio de lançamento de coleções e de uniformes é feito com modelos imigrantes, árabes e negros, com o intuito de mostrar que todos são aceitos. O clube ainda promove campanhas que se destacam, como a instituição do “notre maillot”, uma ação de marketing que critica a moda da terceira camisa instituída no futebol comercial, introduzindo uma tatuagem do brasão para os torcedores colocarem no peito, em que a pele do torcedor vira o uniforme.

O estádio do Red Star é afastado da zona central de Paris, sendo situado na zona periférica, em que habitam diversas comunidades imigrantes. O clube nunca desejou abandonar suas raízes, mantendo-se, até hoje, na sua região de origem. Além disso, fatos históricos marcam a história do estádio, bem como o torna uma verdadeira paixão entre os torcedores. Conhecido como Estádio de Paris ou Estádio do Bauer, o nome do ginásio faz alusão ao Doutor Bauer, perseguido e torturado durante a Segunda Guerra Mundial por se alinhar a ideais comunistas.

Mais simbolicamente, o clube carrega uma trajetória política explícita, sendo o maior ídolo da sua história Rino Della Negra, um jogador do Red Star que, nas horas vagas, era integrante de um grupo de resistência contra a invasão nazista na França. O jogador foi fuzilado por nazistas em 1944, aos 21 anos. Premeditando a eminente perseguição nazista e seu trágico destino, Rino escreveu a seu irmão, momentos antes de seu fuzilamento, um bilhete, o qual dizia: “Mande um bom dia e um adeus a todos do Red Star”. Tal frase ficou marcada na história do clube. Desde então, logo na frente do estádio, há uma placa em homenagem ao antológico ídolo, martirizado por seus feitos tanto na política quanto no esporte.

Claramente, a política sempre esteve dentro do Estádio de Paris, evidenciando a responsabilidade do clube em promover seus ideais, a partir da sua carga sociocultural. Com um contexto político bem definido, o Red Star é o contraste do futebol francês, sobretudo parisiense. O time alternativo de Paris carrega com orgulho suas causas, honrando seu passado e preservando seu futuro.

O Red Star adotou oposição ao simbólico futebol financeiro globalizado (Foto: Antifa/Ultras)
O Red Star adotou oposição ao simbólico futebol financeiro globalizado (Foto: Antifa/Ultras)

CORINTHIANS

Durante os anos 80, o Sport Club Corinthians Paulista, um dos maiores clubes esportivos do Brasil, mostrou o poder do futebol como instrumento político-ideológico no contexto nacional. O time não só teve jogadores politizados como também teve um papel fundamental na luta contra a Ditadura Civil-Militar. Assim, a história do futebol brasileiro e corintiano ficou marcada a partir de um fato histórico icônico: a denominada Democracia Corintiana.

A conjuntura interna do Corinthians era representada por uma monopolização da presidência do clube, de tal forma que, durante quase três décadas, de 1940 a 1960, foram poucas e quase nulas as mudanças de gestão, pelo menos em termos de posicionamentos. Dessa maneira, surge uma crise no clube, definida pela ausência de títulos, de conquistas e de ideias. Até que, nos anos 80, emerge uma nova gerência para o time, o que abriu espaço para diversas mudanças. Valdemar Pires, então, assume a presidência.

Indubitavelmente, essa nova era trouxe mudanças estruturais significativas para o Corinthians. Uma das primeiras medidas da nova gerência foi a contratação do sociólogo Adilson Monteiro Alves como diretor de futebol, o qual ia contra a linha conservadora do futebol da época, um esporte que passava por mudanças drásticas provenientes do contexto político do mundo e do Brasil. Destaca-se que o futebol da segunda metade do século XX ainda era muito patriarcal, conservador e preconceituoso. Assim, surgia essa contracorrente corintiana, visando uma maior liberdade ao clube dentro do convívio social, bem como uma maior aproximação com o povo.

Um dos fatores que possibilitou essa mudança no Corinthians foi a união entre a comissão e os jogadores, os quais já apresentavam uma maturidade política, com consciência perante à realidade. Jogadores como Casagrande, Sócrates e Wladimir passaram, então, a debater sobre o novo modelo de organização do clube, junto com o idealizador Adilson.

A proposta foi o estabelecimento de um sistema, dentro da entidade esportiva corintiana, baseado na votação democrática para tudo relativo ao clube. Os participantes dessa dinâmica seriam os jogadores, os copeiros, o técnico, os massagistas, os fisioterapeutas, a comissão técnica, o presidente e todo o Corinthians.

Dentro dessa inovação sem precedentes, praticamente tudo era decidido pela comunidade esportiva. Exemplos das decisões tomadas por voto era a gestão de elenco, a gerência das dependências do local, as contratações que seriam realizadas, a possibilidade de beber cerveja após algumas partidas, a divisão igualitária das premiações monetárias dos principais campeonatos e o fim do confinamento pré-jogo para os jogadores casados. Efetivamente, a democracia começou a fazer parte do time, o que trouxe uma maior liberdade para todos que compunham o Corinthians, mas, por outro lado foi visto com maus olhos pelos outros times e pela mídia da época.

O contexto da época era de um regime militar brasileiro marcado pela grande limitação de direitos, pela intensa censura e pela ostensiva opressão governamental. Não havia voto direto nem participação popular na política. Nessa configuração social, a Democracia Corintiana transformou o Corinthians em uma instituição autônoma e organizada, quase que em um país alternativo dentro do Brasil. A instituição usou até mesmo expressões do pensador Millôr Fernandes para defender e caracterizar o movimento, a partir da propaganda e do marketing do clube.

O poder midiático das entranhas corintianas foi fundamental para dar voz e visibilidade à associação democrática. Prova da importância dos mecanismos foram os diversos mecanismos publicitários utilizados pelo time, como a adesão de slogans icônicos em seu uniforme, dando destaque às frases “Democracia Corintiana”, “Diretas Já” e “Dia 15 Vote”.

Em verdade, a transcendência do movimento para além do esporte foi resultado direto das campanhas promovidas pelo jornalista Juca Kfouri e pelo publicitário Washington Olivetto. Os dois ficaram conhecidos por disseminar a marca do Corinthians, fazer com que a mensagem do movimento fosse para fora dos estádios e oficializar a classificação de Democracia Corintiana.

Foi a partir daí que o clube influenciou e mobilizou as correntes sócio-ideológicas da época, incentivando sua torcida a participar do histórico evento dos Diretas Já, que era o pedido popular para voltar a ter o direito de escolher seus representantes políticos. Muito jogadores do elenco da época participaram de comícios abertamente a favor das manifestações em defesa da redemocratização nacional.

No âmbito esportivo, essa democracia trouxe resultados, tirando o Corinthians do seu jejum de títulos, quando, a partir de 1980, o time foi bicampeão paulista contra o São Paulo, no Morumbi, além de ir até a semifinal do Campeonato Brasileiro.

No entanto, a democracia do Corinthians, em meados da década de 80, passou por contradições. Começou a surgir uma incompatibilidade entre os jogadores e uma divisão dentro do elenco entre os que acreditavam e os que desacreditavam no sistema. Segundo alguns jogadores, a democracia representava a vontade somente dos principais do time: Sócrates e Wladimir. O fato é que houve, portanto, uma intensa disputa por liderança.

Finalmente, em 1985, como tudo no ciclo da política e da sociedade, conforme os jogadores foram se desmembrando do clube e os anos foram passando, a presidência do clube mudou, assumindo então dirigentes envolvidos com o partido Arena, o qual compactuava com a ditadura e apresentava uma linha conservadora. Era firmado o fim do sistema corintiano. O que restou do movimento, hoje em dia, foi a tradição de parte da torcida em valorizar os ideias democráticos e referentes ao povo. Ainda hoje, o legado da Democracia Corintiana segue vivo, principalmente em um mundo cada vez mais extremista e polarizado.

Nos anos 80, o Corinthians teve um papel fundamental na luta contra a Ditadura Civil-Militar (Foto: Bruno Hoffmann/Agência PT)
O Corinthians teve papel fundamental na luta contra a ditadura (Foto: Bruno Hoffmann/Agência PT)

FOREST GREEN ROVERS FC

O Forest Green Rovers Football Club é um time britânico fundado em 1889, na cidade de Nailsworth, ao sudoeste da Inglaterra. O clube é majoritariamente interiorano, modesto e simplista. Entretanto, algo que chama muito a atenção acerca dele é o seu caráter ecológico, sendo considerado por muitos como o clube mais sustentável, verde e vegano do mundo.

Seu estádio é o New Lawn, extremamente remoto e interiorano. Mesmo assim, a ideia por trás dele é revolucionária. Em 2010, o novo dono do clube trouxe consigo uma nova filosofia para a instituição: a energia verde. Com isso, a intenção da diretoria é que preservar o meio ambiente, a começar pelo estádio. A própria estrutura dele é autossustentável. Com uma grande inovação, a casa dos torcedores do Forest possui medidas de conservação ambientais simbólicas, mas que fazem toda a diferença.

Dentre as políticas sustentáveis do clube, várias merecem destaque. Lá, o cardápio da lanchonete é totalmente vegano e ecológico, com uma dieta seleta tanto para os jogadores quanto para os torcedores. Já a grama é orgânica, com uma pintura natural, e a água usada para regá-la é reutilizada. Como se não bastasse, a energia utilizada é proveniente da luz solar, com painéis instalados em cima do teto da arquibancada. Aos arredores do estádio há estações de recarga de energia para carros elétricos, em um posto específico.

Ademais, os funcionários do clube são orientados a seguir sistemas de carona para economizar combustível e promover uma otimização da mobilidade urbana regional, bem como reduzir significativamente a emissão de carbono na atmosfera. Por fim, um dos patrocinadores do uniforme da equipe é uma ONG de proteção aos oceanos e à vida marítima. O time é oficialmente reconhecido e certificado por seus progressos ecológicos.

Todas essas medidas fazem do Forest Green um time totalmente incomum. O projeto futuro da organização é desenvolver um estádio composto predominantemente de madeira, que conte com um complexo de eco parks e espaços para startups com ideias e propostas de sustentabilidade.

A partir dessa remodelação do clube, o público e os adeptos aumentaram quantitativamente de forma considerável. Os torcedores aderiram à causa socioambiental com simpatia, determinação, seriedade e comprometimento, mesmo que, por vezes, brinquem dizendo que os rivais “comerão grama” ao enfrentar o Forest.

Vale destacar que a ideia do clube não é impor estilos de vida e dar lição de moral àqueles que não compactuam com a filosofia do clube, mas sim promover uma maior conscientização para quem ignora as questões ambientais, assim como enaltecer a importância de se discutir sustentabilidade no futebol.

Dessa forma, seguindo seu lema de preservação além do marketing, o Forest leva suas ideias inovadoras para o cenário do futebol moderno e comercial, colocando as questões ambientais em pauta tanto dentro quanto fora das quatro linhas.

O Forest Green, fundado em 1889, é considerado o clube mais sustentável do mundo (Foto: Forest Green/Divulgação)
O Forest Green, de 1889, é considerado o clube mais sustentável do mundo (Foto: Divulgação)
O presente e o futuro do futebol atual

Em síntese, o que se verifica no futebol atual é a intensificação de surtos racistas e xenofóbicos no continente europeu, principalmente em ligas adjacentes à europeia, como a ucraniana e a russa, bem como o agravamento das tensões político-ideológicas, acompanhada da associação do hooliganismo – vandalismo esportivo – com a extrema direita política. De fato, a xenofobia contemporânea reflete a crise de uma identidade nacional culturalmente definida em uma época em que a política das identidades coletivas é exclusiva, sejam étnicas, religiosas ou de gênero, estilo de vida.

Salienta-se, ainda, que o futebol do presente, sobretudo europeu, apresenta a permanência velada de um comportamento colonial e racista por parte das ligas nacionais, em conjunto com heranças históricas de preconceito e de intolerância. Tal peculiaridade se manifesta não só nas torcidas, nos estatutos dos clubes, nas mídias publicitárias e no empresariado, mas também na arbitragem, nas entidades mundiais e nas confederações nacionais de futebol.

Ainda hoje, é possível perceber a displicência das ligas e das organizações nacionais, a exemplo da passividade da arbitragem e dos regulamentos oficiais, os quais não regulamentam efetivamente penalizações.

Atualmente, a tolerância ao racismo e ao preconceito ocorre através dos diversos casos em que o opressor racista é absolvido pela arbitragem e o oprimido é penalizado por se rebelar contra o preconceito, seja com um cartão amarelo seja com um cartão vermelho. Vale destacar que a atribuição de um cartão ou de uma multa para o jogador ou para o clube que praticou o preconceito é meramente simbólico e ilustrativo. Com efeito, o que deve servir de lição é a mudança de mentalidade acerca das diversidades regionais na sociedade e no futebol.

Enquanto o futebol moderno continuar legitimando atitudes preconceituosas dentro e fora de campo, as perspectivas futuras se apresentam como quase impossíveis de serem otimistas.

Portanto, diante da conjuntura do futebol atual, precisamos de mais Maregas, Balotellis, Dani Alves, Taisons, Sterlings e Keans, que denunciem o preconceito, fortaleçam a resistência e utilizem seu poder comunicativo-midiático para promover a mudança desse cruel sistema.

A tolerância ao racismo e ao preconceito ocorre através dos diversos casos em que o opressor racista é absolvido pela arbitragem e o oprimido é penalizado por se rebelar (Foto: Empics Sports)
A tolerância ao racismo e ao preconceito ocorre através dos diversos casos em que o opressor racista é absolvido pela arbitragem e o oprimido é penalizado por se rebelar (Foto: Empics Sports)
A superação de um esporte social

A questão do preconceito no futebol não é nova, mas pouco é feito para enfrentá-la. Em tese, tal problema não é tão simples de se resolver, uma vez que envolve múltiplos fatores do convívio social. Quanto aos recorrentes casos de antissemitismo e de racismo, é imprescindível se esforçar e analisar separadamente cada situação, mas com a consciência dos valores que regem os Direitos Humanos.

Em conclusão, é evidente, conforme foi apresentado anteriormente, que o futebol serve como um instrumento político e ideológico na modernidade, transcendendo o seu caráter meramente esportivo e adquirindo significados novos. Ademais, é aparente que o futebol social transita pelos âmbitos da sociedade de forma multidisciplinar. A interseção futebolística é um largo horizonte, repleto de infinitas aplicações.

Portanto, em meio a tantas problemáticas, já que o futebol político pode trazer aspectos tanto positivos quanto negativos, o esporte social resiste e supera qualquer divergência ideológica, qualquer distância geográfica e qualquer outra limitação dentro da sua área. Mais do que nunca, o futebol baseado em fundamentos sócio-humanos assume uma imprescindibilidade absurda no processo de alteração positiva do meio social e da geopolítica.

Como um retrato fiel de conjunturas, contextos e circunstâncias, o futebol é a chave para transformar as relações interpessoais e humanas. Com isso, a cada lance que define a trajetória do ser humano, a comemoração do gol será coletiva.

> Pedro Sombra de Souza, de 17 anos, é estudante do 3º ano do Ensino Médio em Fortaleza e pretende fazer vestibular para Relações Internacionais.

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3 respostas para “Futebol e política se misturam? Este ensaio lista inúmeros casos que comprovam que sim”

  1. Vcs n sabem o que é direita. Então como vão dizer que um clube é de direita ? O nazismo e semelhantes são ideologias anti capitalistas e anti comunistas. É uma terceira via. O eixo lutou contra países capitalistas exclusivamente no começo/meados da guerra. Os comunistas soviéticos só entraram no meio/ fim. Quem declarou guerra a Hitler foram países mais á direita. Como Inglaterra. Churrhill agora é de esquerda agora? Tanto que depois tivemos a guerra fria capitalistas x comunistas. Pq ambos ganharam a guerra juntos. E agora iam se degladiar… Vcs misturam conservadorismo com fascismo… Um erro juvenil e criminoso

    • Fica bem claro no texto a ideia do editor de vincular a questão política à história dos clubes e ainda chama a atenção para as generalizações, logo sua crítica inicial é claramente ideológica e facilmente dissolvida. Os fascismos (incluindo o nazismo) não são anticapitalistas, isto é um erro primário pra qualquer análise do tema. Você mesmo se contradiz quando afirma que “O eixo lutou contra países capitalistas” visto que lutou contra a URSS após a revolução socialista. Conservadorismo exacerbado (reacionarismo) é sim, uma das marcantes características dos regimes totalitários de extrema direita. Criminosas foram suas colocações, se feitas com a intenção de enganar. Ou você simplesmente é ignorante acerca do assunto.

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