Euterpe FC: O time de Manaus de um século atrás formado por jogadores negros
A regra do Euterpe, fundado em 1919, constava em ata: só aceitava jogadores negros
Por Gaspar Vieira Neto
Pouca gente no Brasil sabe, mas no início do século 20, em Manaus, surgia um clube de futebol que tinha como principal diferencial aceitar somente jogadores negros em seu elenco. Esse time era o Euterpe Football Club.
O Euterpe foi fundado no dia 7 de agosto de 1919, pelo carteiro Benedito Peixoto. As cores de seu uniforme seriam verde e branco. Também se decidiu que o primeiro presidente seria o próprio fundador. Em ata constava que o novo clube só aceitaria jogadores negros, tanto em seu time titular como no reserva.
Consolidado o Euterpe, a diretoria escolheu a residência de número 108 da Rua 24 de Maio, no centro de Manaus, como local de sua sede social. E assim começou a realizar seus primeiros amistosos.
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Ano da estreia
Até que o clube se inscreve para participar do Campeonato Amazonense de 1920, quando estreou sendo goleado pelo Manaos Sporting por 6 a 1. O Euterpe não teve uma boa atuação nesse certame, ficando na última colocação. O clube ainda disputou os campeonatos de 1921, 1922, 1923 e 1927.
O Euterpe não tinha muito destaque em campo, embora contasse com bons jogadores como Dodó, Patrício, Gaudêncio, Cachoeirinha, Anacleto e Horacinho.
Eram muito conhecidos os bailes dançantes que o Euterpe realizava em sua sede, na Rua 24 de Maio, aos sábados. Pouco depois o clube mudaria de endereço, passando sua sede pelas ruas Costa Azevedo, Lima Bacuri e Barroso (todas no Centro).
O único título que conquistou foi de um torneio realizado pela federação local, em 1920, no hoje extinto estádio Parque Amazonense, quando os euterpianos asseguraram a Taça 27º Batalhão de Caçadores.
Dodó, cujo nome verdadeiro era Domiciano Borges, foi o principal craque do Euterpe durante sua existência. Defendeu o time alviverde de 1919 a 1923. Artilheiro nato, Dodó foi um dos primeiros craques negros da história do futebol do Amazonas. Sua importância era tanta que o time era conhecido pela imprensa como “clube de Dodó”.
Com o tempo o Euterpe fez uma modificação em sua ata. Devido à grande procura de novos jogadores, o clube resolveu aceitar jogadores de outras raças, abrindo caminho para brancos e pardos, ou seja, deixava de ser um time exclusivo de negros e mulatos.
Em 1930, o Euterpe era extinto para sempre. Na sua trajetória, contribuiu para o combate ao preconceito racial no futebol brasileiro do início do século 20.
O Euterpe foi o primeiro e único clube de futebol formado só por negros que surgiu no Norte do Brasil. E também foi o primeiro clube de futebol só de negros a disputar um campeonato estadual no Brasil, em 1920.
Devido à distância do Amazonas dos outros grandes centros do futebol do Brasil na época (como Rio de Janeiro e São Paulo) e as dificuldades de comunicação, esse pioneirismo e particularidade do Euterpe só era conhecido pela imprensa e torcedores locais daquele período.
Durante muito tempo a história dos euterpianos ficou esquecida e desconhecida até no próprio Amazonas. Mas, mesmo tardiamente, sabe-se hoje a importância desse modesto clube e como ele inovou na época. Não se tem conhecimento se eles chegaram a sofrer alguma forma de preconceito, mas talvez sim.
Hoje, o clube de negros amazonenses precisa ser inserido na historiografia esportiva nacional (assim como estão Vasco, Bangu e Ponte Preta) como uma das equipes que também contribuíram no combate ao preconceito no futebol brasileiro.
> Gaspar Vieira Neto, historiador e professor de Manaus, é autor do livro “Memória do Esporte Bretão Caboclo – Os Primórdios do Futebol no Amazonas (1903 – 1914)”, publicado em 2018.
A história do Euterpe constará no segundo livro do historiador, “Fatos e Curiosidades do Foot-Ball no Amazonas (1915 – 1930)”, que será publicado em 2019.
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