Airton Monte: poeta que amou o futebol
Airton Monte costumava brincar que não bate bem da bola quem não gosta de uma bola de pé em pé. […]
Airton Monte costumava brincar que não bate bem da bola quem não gosta de uma bola de pé em pé. O médico e poeta cearense, que morreu na última segunda-feira, aos 63 anos, era um verminoso por futebol. Torcedor do Fortaleza e do Botafogo, ele herdou a paixão do pai, também Airton Monte, ex-jogador que defendeu o Gentilândia, extinto clube do bairro que tanto amavam.
Poucos poetas brasileiros dedicaram tanto de sua obra ao futebol. Em uma dessas crônicas, publicada na ocasião da contagem regressiva de 1.000 dias para a Copa do Mundo de 2014, em 3 de outubro de 2011, no jornal O Povo, Airton Monte fala de sua relação com o maior dos esportes.
A crônica traz uma ironia do destino na última frase. O poeta não verá seu primeiro Mundial em casa, mas quem sabe a essa hora já está tomando uma (ou umas) ao lado do ídolo Garrincha.
A Copa do Mundo
Por Airton Monte
Pode quem quiser não gostar ou considerar o fato desprovido de qualquer mínima importância. Entanto, para este romântico escriba suburbano, a Copa do Mundo é um acontecimento ímpar e que acho, na minha apaixonada condição de amante do glorioso esporte bretão, um dos mais relevantes e magníficos eventos esportivos realizados no planeta.
Há ainda aqueles que afirmam, com um tom peremptório na voz, sérios e gravebundos, ser o futebol nada mais do que o “ópio do povo”, criado apenas para anestesiar o inocente populacho e levá-lo a desviar-se de outros objetivos mais nobres, mais precisos, mais necessários ao seu natural desenvolvimento político, social, intelectual. Claro que quem assim o pensa tem todo o sagrado direito de fazê-lo, pois estamos ou não estamos numa democracia, onde se supõe que as pessoas pensem abertamente aquilo que bem quiserem? Portanto, que as opiniões sejam expressas livremente e se dividam ao gosto do freguês e cada um escolha, sem medo de errar, a sua própria, para que fiquemos o mais longe possível da emburrecedora unanimidade.
Venho de uma família de futebolistas e fui alegremente batizado com uma bola entre as mãos e à acolhedora sombra das nelsonrodrigueanas chuteiras imortais. Cada vez mais tendo a acreditar, indubitavelmente, que o amor pelo futebol foi introduzido em minhas veias e em minha alma pelos benditos desígnios da genética. O autor dos meus dias foi quem me inoculou com esse vírus para todo o sempre incurável, imune a todas as vacinas. Nasci com ele e certamente com ele morrerei. Disso não nutro nenhuma sombra de dúvida, pois quem sai aos seus não degenera, reza um ancestral aforisma e, que por ser antigo, não deixa de ser verdadeiro. Sinto que o futebol, pode parecer ilusão minha, um fruto da minha imaginação, faz parte de mim de maneira orgânica, como se pertencesse aos mecanismos fisiológicos do meu corpo e ao metabolismo anímico de minha psiquê. A metáfora pode ser horrorosa, de um mau gosto sem par, reconheço, mas nem por isso deixa de refletir minha verdade íntima.
Por ser sobrevivente do século passado, quase um fóssil, talvez, na ingênua e estudiosa cabecinha dos mais jovens, nada mais despido de espanto que eu tenha crescido sob a égide da imorredoura “Tragédia de Cinquenta”, quando o Brasil foi inesperadamente derrotado pelo Uruguai no templo sagrado do Maracanã, na fatídica final da Taça Jules Rimet, provocando uma catástrofe nacional. Afinal, não era para menos. Perdemos a Copa bestamente, vergonhosamente dentro de nosso próprio quintal. Os deuses do futebol são volúveis, cheios de perigosas artimanhas e de uma crueldade sem tamanho, isso sem contar com as infelizes peripécias do Sobrenatural de Almeida, tão conhecido por nós, geraldinos e arquibaldos. A primeira Copa do Mundo que acompanhei com um certo entendimento do que se passava foi a de 1954. Eu tinha cinco aninhos, porém lembro que sofri feito gente grande com o desmoralizante baile que levamos dos húngaros comandados por Puskas.
Em 1958 e 1962, nossa festa explodiu nos campos da Suécia e do Chile. E tivemos a honra de apresentar ao mundo dois dos maiores gênios que o futebol conheceu pelos nomes mágicos de Garrincha e Pelé. De sobra, ainda ficamos curados do nosso arquetípico Complexo de Viralatas. Nos tornamos o País do Futebol, irmão gêmeo do País do Carnaval. E daqui a pouco, em 2014, sessenta e quatro depois da infausta “Tragédia de Cinquenta”, estamos prestes a realizar outra Copa em território pátrio. Faltam Mil Dias para a Copa! Eis o assunto do dia. A frase bombástica anda estampada por tudo quanto é lugar desta nação sem jaça. Nas cidades que sediarão os jogos foram afixados relógios gigantescos cronometrando, minuto após minuto, quanto tempo falta para o início do espetáculo. Outros que discutam o legado que herdaremos, as obras inacabadas, a roubalheira. Eu quero a bola rolando no gramado. Quem sabe, não será a última Copa do Mundo que verei?
Crônica publicada em 3 de outubro de 2011, no jornal O Povo
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