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Deu a louca

Dona Ivone: As loucas histórias da maior fã do Ferroviário que já existiu

Em 2008, o autor do Verminosos por Futebol fez um perfil de Dona Ivona, torcedora-símbolo coral que neste domingo (28) virou vítima do Covid-19

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Dona Ivone chegava a viajar a jogos no carro do presidente do Ferroviário (Foto: Reprodução O Povo)
Dona Ivone chegava a viajar a jogos no carro do presidente do Ferroviário (Foto: Reprodução O Povo)

Bateu uma tristeza quando vi a notícia. Em tantos anos caçando malucos por futebol, já conheci muuuitos, mas poucos tão apaixonados como Dona Ivone. Contei a história dela em 2008, quando trabalhava no jornal O Povo, de Fortaleza – quatro anos antes do surgimento do Verminosos por Futebol. Essa torcedora do Ferroviário foi uma das estrelas da série “Verminosos por Bola”, que inspirou este site.

Neste domingo (28), Dona Ivone virou mais uma vítima do Covid-19, aos 75 anos. Desde então, ela vem recebendo algumas homenagens, com direito a nota de pesar no site do Ferroviário. A história dela merece ser mais conhecida pelos torcedores jovens. É cada peripécia que é difícil até de acreditar!

> Veja abaixo reportagem publicada no jornal O Povo, em 9 de março de 2008.

FIDELIDADE A TODA PROVA

A série de reportagens Verminosos por Bola apresenta dona Ivone, torcedora do Ferroviário que, nas últimas quatro décadas, afirma ter perdido apenas um jogo do time em Fortaleza, quando morreu sua mãe, em 1996. Com prestígio no clube, ela chega a viajar para jogos no Interior no ônibus da delegação e até no carro do presidente

Por Rafael Luis Azevedo

Imagine a seguinte situação, caro leitor: você é apaixonado por futebol e seu filho está internado no hospital. Você teria coragem de deixá-lo sozinho para ir a um jogo do time de coração? Torcedora do Ferroviário, Maria Ivone Nascimento Sousa, 63, não pensou duas vezes. Arrancou o garoto do Instituto Dr. José Frota (IJF), assinou termo de responsabilidade, levou-o para casa e partiu para o estádio Presidente Vargas.

“Meu menino tinha oito anos e estava anestesiado após uma cirurgia para implante de platina no braço. Pedi ao médico para dar alta mais cedo para que eu pudesse ir ao jogo”, conta dona Ivone, como é conhecida, às gargalhadas.

A história, ocorrida em 1985, é apenas mais uma das peripécias vividas pela torcedora em quase quatro décadas de presença contínua nas arquibancadas. Há 38 anos, dona Ivone garante assistir a todas as partidas do Ferroviário na capital cearense. Ou melhor, todas não. Ela perdeu uma, na semana da morte da mãe, em 1996, em que o adversário foi o Quixadá.

“Como o enterro foi em Juazeiro do Norte, não deu tempo para voltar a Fortaleza. Foi uma pena, mas o meu Ferrão venceu, o que amenizou a tristeza pela perda da minha mãe e do jogo”, relembra a torcedora.

Filha de um maquinista da antiga Rede de Viação Cearense (RVC), empresa mantenedora do Ferroviário entre as décadas de 1930 e 1950, dona Ivone herdou do pai a paixão coral. A família morava em Quixeramobim, onde o pai inclusive jogava na filial do Ferrão, formada por funcionários da RVC na cidade.

Aos seis anos, ela começou a acompanhar o pai nas partidas. Aos dez, quando a família mudou-se para Fortaleza, Ivone foi pela primeira vez a um jogo da equipe principal. “Me identifiquei de cara com as cores preto, vermelho e branco”, rememora.

A paixão pelo Ferroviário, porém, rendeu dissabores à dona Ivone no início da vida amorosa. O primeiro noivado não vingou, após dois anos de relacionamento. “Ele era torcedor do Fortaleza e a gente precisava ficar em lugares separados no estádio. Não tinha como dar certo”, arrisca.

Natural que o futuro marido, José Militão de Sousa, ela encontrasse numa arquibancada coral, num jogo contra o América, no PV, em 1970. O cupido foi o lateral-direito Carlito, do Ferrão. “Eu ia dar uma maçã para o Carlito e o Militão a tomou da minha mão”, suspira. “Hoje eu digo com toda certeza que não casaria com um torcedor de Ceará ou Fortaleza por nada nesse mundo”.

Dupla paixão

Juntos, Ivone e Militão ficaram ainda mais fiéis ao Ferroviário. A partir dali, o casal passou a assistir a todos os jogos em Fortaleza – e a quase todas as partidas no Interior. Na década de 1980, eles fundaram a Força Jovem Coral, uma das primeiras torcidas organizadas do Estado. Bombeiro, Militão cuidava do foguetório lançado antes dos jogos, função que a mulher depois assumiu.

Em 1985, dona Ivone obteve a maior glória: foi eleita presidente da torcida. “Nós tínhamos uma bandeira de 30 metros, a maior do futebol cearense na época. A gente virava a noite fazendo os fogos do dia seguinte”, vangloria-se.

O tempo tornou a torcedora respeitada por muitos no Ferroviário – dirigentes, funcionários, técnicos e jogadores. Moradora do Quintino Cunha, bairro vizinho à Barra do Ceará, onde fica a sede do clube, Ivone sempre assiste aos treinos de apronto (como é chamado o último treinamento antes dos jogos). “A gente tem que saber como o treinador vai armar o time”, tenta justificar o exagero.

Nas partidas fora de casa, a torcedora chega a viajar no próprio ônibus da equipe. Se o técnico se mostra reticente à presença de uma mulher entre os jogadores, dona Ivone conta com outra opção que também revela seu prestígio: ela segue viagem no carro do presidente do clube. A torcedora não disfarça a pouca modéstia: “Sou importante, meu filho!”.

REMÉDIO CONTRA A SOLIDÃO

Depois da morte de sua mãe, em 1996, dona Ivone teve mais duas perdas. Seu único filho, Gleidson, morreu em 1997, aos 20 anos. Cinco anos depois foi a vez do marido, José Militão. “Sou muito grata ao Ferroviário, porque deu sentido à minha vida quando me vi sozinha”, emociona-se. “A dona Ivone é querida porque sempre está presente no nosso dia-a-dia”, explica o supervisor do clube, Francisco Pereira, o Chicão.

Em casa, a torcedora coleciona vários objetos com as cores do Ferroviário. Ela sobrevive com a pensão deixada pelo marido e mora com o irmão, o aposentado Andrelino do Nascimento, 58. “Na nossa família, todo mundo torce pelo time, mas a Ivone sempre foi a mais apaixonada. É difícil ter alguém mais fanático do que ela”, diz Andrelino.

Dona Ivone concorda, mas se coloca um degrau abaixo do fundador do Ferrão, hoje com 100 anos. “Só não sou a torcedora nº 1 porque respeito o Valdemar Caracas, mas sou ao menos a nº 2”, responde.

Sorridente na maior parte da conversa, dona Ivone só fica enjoada quando o repórter insinua que a torcida do Ferroviário é pequena. “Pequena nada! Nossa torcida é grande, o problema é que ela não comparece aos jogos. Se comparecesse, rivalizaria com as de Ceará e Fortaleza”, rebate. “O torcedor do Ferroviário é acomodado. É um torcedor de pijama”.

Outro aviso: sendo torcedor de Ceará ou Fortaleza, convém não chamar o time de Ferrim. “Só quem pode usar esse apelido é torcedor coral, de forma carinhosa. No caso dos outros, é Ferrão e não tem conversa”.

Outras curiosidades:

Relíquias de tiete – Dona Ivone guarda muitas fotos ao lado de atletas do passado, como Reginaldo, Jorge Pinheiro, Cícero Ramalho e Cantarelli. Seu maior ídolo foi o lateral Marcelo Veiga, campeão estadual em 1988.

Trânsito livre – A torcedora tem trânsito livre na sede do clube. Conhecida por todos, ela entra na sala da supervisão, dá uma olhadinha nos troféus e até bebe água no bebedouro dos funcionários. “Quem não a conhece é porque trabalha há pouco tempo aqui”, ironiza um diretor presente.

Madrinha da garotada – O treino das categorias de base do Ferrão chegava ao fim quando dona Ivone se aproximou do gramado do Elzir Cabral. Vendo a presença dela, os técnicos Amilton Rocha e Roberto Cearense seguraram a garotada para um abraço na torcedora.

Sábios conselhos – Dona Ivone gosta de aconselhar os atletas, especialmente os mais jovens. Cheia de intimidade, ela vai buscar o atacante Ely no alojamento e dá dicas para o jogo do dia seguinte. “Gente nova não gosta de ouvir os mais velhos, mas só quero o bem desses meninos”.

Torcedora privilegiadas – Dona Ivone adora viajar para jogos no Interior no ônibus da delegação do Ferroviário. Mas, no estádio, ela prefere ficar próxima ao alambrado, no meio do canelau. “Assim o juiz ouve bem meus xingamentos”, brinca.

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